Fugas - Viagens

  • Sandra Ribeiro
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Vamos a la playa em Madrid

Abro o mapa do parque à procura de mais opções. Andar ao acaso é fundamental, mas é sabido que os melhores momentos, mesmo os inesperados, carecem de alguma orientação. A lista de montanhas-russas e atracções radicais não é muito extensa, mas é de qualidade. Eis algumas delas: Batman, La Fuga, no coração de Gotham City, uma montanha-russa de tipo invertido com 31 metros de altura, cinco inversões, mais 500 metros de percurso que se completam em 40 segundos a uma velocidade de 83km/h. Só para valentes, avisam; La venganza del Enigma, “la torre de caída más alta de Europa y la segunda del mundo”, com 115 metros de altura, capaz de atirar os corpos para cima e para baixo a 100km/h; ou ainda Superman: La Atracción de Acero, a mais famosa da casa, anunciam. Simula um voo a mais de 100 km/h através de sete inversões e várias quedas livres, a primeira desde 55 metros de altura. A única na Europa onde os passageiros não podem colocar os pés, ficando a bailar (ou a espernear) durante mais de dois minutos. O mais alto, o mais extenso, todos os parques têm um fascínio pelo Guinness. Ainda assim, convencem-me.

Lá entro, mais uma vez sem passar pela fila, mas cada vez menos culpado — a culpa vai desaparecendo à medida que aumenta o cansaço, neste caso é precisamente o contrário da vida, ainda que a vida também seja isto — e sigo para o meu lugar, pezinhos no ar, uma rima fácil, um pensamento bom, para afastar o medo. Lá vou, lá vamos nós, desta vez todos iguais, com ou sem pulseira, crianças e adultos. Arrependo-me à primeira queda, 55 metros são 55 metros, abro os olhos, na esperança de me ver por ali, quero ir-me embora, penso em tirar o cinto que nunca sairia mesmo que quisesse muito, apresso-me a concluir que tudo isto talvez tenha sido um erro, e de repente lembro-me de uma passagem do livro A Paixão de Senna, de Rui Pelejão, que li recentemente, pela altura do 20.º aniversário da morte do piloto brasileiro. Narra uma qualificação para o Grande Prémio do Mónaco (1998), em que Ayrton fez uma sequência de voltas impressionante. Quando instado a comentar a sua prestação, deixou implícito que terá sido conduzido por Deus. “Eu estava superando-me a cada volta e, simplesmente, entrei em outra dimensão. Por causa da velocidade, as referências de espaço e de tempo se modificaram. Não via a pista, ela tinha virado um túnel. A distinção entre o homem e a máquina deixou de existir, me fundi com o carro, virámos a mesma coisa. Foi então que tive um despertar de consciência, senti uma agulhada e acordei para a situação de extremo perigo em que estava. Meu corpo ficou a tremer e fui para as boxes e fiquei morrendo de medo.”

Eu não tive nenhuma experiência extra-sensorial, não encontrei Deus nem sequer a mim próprio, mas recordar este momento foi o suficiente para fechar os olhos e deixar-me ir, corpo morto, cabeça bamba, empurrado por uma máquina de embalar sensações que, por mais falsa que seja, durante dois minutos teve o condão de me levar para uma planície onde, salvo raras e honrosas excepções, já não me encontrava desde a infância. Será por momentos como este que há tantos adultos viciados em parques temáticos? Há mesmo quem lhes chame de “Papa Disney”.

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