Fugas - Viagens

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    Manhattan
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  • MATT CAMPBELL/EPA

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Nova Iorque para principiantes (que viram uns filmes)

Uma das cenas mais picantes da história do cinema mete Marilyn Monroe e o seu vizinho lúbrico num dia de calor em Nova Iorque. Os dois são dirigidos por Billy Wilder (por falar em lúbrico) numa comédia que no título original fala da crise dos sete anos, Seven Years Itch.

Todos os casais sabem o que são crises de sete anos (os que chegam lá), crises de fartura e erosão. Nem todos têm uma vizinha voluptuosa que guarda as cuequinhas no congelador para aguentar a brasa do Verão nova-iorquino.

N’ O Pecado Mora ao Lado (1955), a tentação está literalmente ao lado, ou, para dizer com exactidão, no andar de cima. É uma tentação redobrada porque a família foi a banhos e o lúbrico em questão se sente solteiro. Solteiro e enfeitiçado. Como não?

A vizinha fogosa, além de loura, apanha o fresco que vem da grelha do metro, com o vestido branco a esvoaçar. A imagem é impudica e irresistível, tão forte que se tornou reconhecível até em Marte. Marilyn tem estampada a descontracção de quem cede ao prazer e ignora as aparências.

Há guias turísticos que se dedicam a mostrar locais de filmagens e que incluem no percurso a grelha onde o vestido de Marilyn levantou. Se não for purista, talvez não seja preciso tanto. Há respiradouros de metro por toda a cidade e o efeito é facilmente o mesmo. Menos o vestido e a Marilyn, é claro.

Chicago

A Broadway é uma avenida que giza Manhattan de (quase) alto a baixo. A Broadway verdadeiramente é um bairro de teatros onde se representam (sobretudo) musicais que ficam anos em cartaz e que tem como epicentro Times Square.

Toda a gente já viu imagens de Times Square, os prédios revestidos a publicidade, as cores que chegam a ferir, o movimento cacófono de pessoas e viaturas, os programas de televisão que ali se fazem, de costas para a praça. Tem qualquer coisa de cenário futurista que satura ao cabo de minutos.

Na Broadway, mais do que em qualquer outro ponto, sentimos que estamos dentro de um filme que já vimos, onde somos, não protagonistas, mas figurantes. Um figurante entre mil, que faz fila para atravessar a rua, faz fila para comprar bilhetes, faz fila.

Os bilhetes para o teatro são caros e estão frequentemente esgotados. São espectáculos para massas, onde tudo é coreografado ao detalhe. Quem gosta do frou-frou dos musicais, acha os espectáculos superlativos. É um género e a máquina está espantosamente oleada (isso é preciso reconhecer).

Na rua, duas meninas de meias vermelhas e chapéu distribuíam panfletos promocionais. Era impossível não dar por elas e não identificar nelas o filme de Rob Marshall de 2002, Chicago.

Manhattan

Caetano escreveu no Trem das Cores: “A seda azul do papel que envolve a maçã.” Podia ser — será? — uma maneira de falar da cor de NY? A Maçã, a Big Apple, tem um céu azul de seda que se vê por entre os arranha-céus. Não tem nunca a cor cinza e amarga que muitos esperam encontrar. É preciso ir a Nova Iorque para sentir a sua alma, a dinâmica das ruas, a energia que transborda do multiculturalismo. Talvez só em NY seja possível perceber como uma cidade desenhada a régua e esquadro, de edifícios sumptuosos ou assépticos, nos atira para a vida. Mais do que tudo, que nos dá a impressão de que há sempre espaço para nós e para quem somos. Para a nossa diferença.

O mais belo soneto de amor a NY foi feito por Woody Allen em 1979. Manhattan abre com a música de Gershwin e um desalinho de edifícios iconográficos. Vemos o Chrysler, a Brooklyn Bridge, a espiral do Museu Guggenheim, a Village e a sua fauna. Ouvimos o realizador a fazer imperfeitas descrições de NY, declarações excessivas. Mais tarde sabemos da sua vida atribulada, da ex-mulher que o trocou por outra mulher, da namorada que bebe milk shake e tem menos de metade da sua idade, da amante que rouba ao melhor amigo.

O personagem interpretado por Woody Allen tem uma vida desarmoniosa como a cidade, mas encontra nela um estranho lar, doce lar. Um lar de betão e fogo de artifício.

Será isso ilusão?

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