Fugas - Viagens

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Nova Iorque para principiantes (que viram uns filmes)

Por Anabela Mota Ribeiro

Nova Iorque dá-nos a sensação de estar dentro de um filme ou de já ter visto num filme o que agora aparece ante os nossos olhos. Para quem nunca foi, fica uma lista de filmes que nos ajudaram a sonhar — e a conhecer — NY. Mesmo sem alguma vez lá ter ido.

O Padrinho

Don Fanucci passa a laranja de uma mão para a outra. Veste um fato que Francis Ford Coppola quis que fosse branco, branco-imaculado, para acentuar o jorro de sangue no final da cena e transformar aquele bandido de pequena escala numa figura suína e ridícula.

Don Fanucci acena como um Papa, San Gennaro segue no altar. A procissão avança ao som de Nino Rota, o som de uma fanfarra local que acompanha a paixão de um santo. O Padrinho, que ainda não o era, mas viria a ser, depois desta audácia decisiva, observa o movimento a partir do telhado. E vê o passado, a injustiça, o caminho percorrido. Ou não vê nada, porque só vê Don Fanucci, a Mulberry Street apinhada, o momento em que uma pessoa se encontra num duelo com a vida. E mata.

O território já era o de uma pequena Itália, hoje delimitado por bandeirinhas triangulares, incrustada na parte sul da cidade. Little Italy é de facto um bairro pequeno, e, a despeito da atmosfera turística, é uma Itália pura, com vera pasta feita à mão, paredes decoradas com a Sofia Loren e o Totó, pátios nas traseiras onde espreitam as árvores. Mesmo num restaurante fino como o Da Nico come-se em mesas de plástico. Come-se bem.

O ambiente é estridente, transplantado de Nápoles. (Não por acaso, San Gennaro é napolitano.) Essa é a Itália que se procura e se encontra. Sem decepções.

Não corre um fio de ameaça. Há muito que O Padrinho se mudou para os subúrbios. Mas não é possível atravessar a Mulberry sem imaginar o jovem De Niro nos telhados, a mirar os passos de Don Fanucci, sem ouvir uma deflagração. E então sabe-se que o fato está sujo de sangue.

Breakfast at Tiffany’s

A luz é bruxuleante e o táxi aproxima-se. Ouve-se o Moon River de Henry Mancini. A Quinta Avenida está deserta. Seriam seis da manhã? Ela sai do carro. A Audrey. Dá passos miúdos, num serpenteado elegante. Abeira-se da montra, vê as pulseiras. Tira de um saco de papel um croissant e um capuccino. Quando finalmente a vemos de frente, tem uma atitude sonhadora. E deleitada. Depois afasta-se. Continua a ouvir-se o Moon River.

Milhares de mulheres de todo o mundo, gerações de avós e mães e filhas, sonharam com um pequeno-almoço assim em frente à Tiffany. Sonharam atravessar a Fifth (não é preciso dizer mais do que “a Fifth”) vestidas de Dior, figura esfíngica.

A Tiffany representa o luxo, e, de certo modo, o inacessível. Ícone da avenida das avenidas, é uma espécie de lugar onde o sonho desagua. E como sonhar não custa, toda a gente pode entrar no edifício de vários andares, cirandar pelo piso dos anéis de noivado, espreitar as vitrines onde tudo é faiscante, fazer as contas a ver se dá para uma peça de prata. Se não der para nada, talvez dê para gravar um nome/ uma frase no interior de uma aliança de latão. Como no filme de Blake Edwards (1961).

Infelizmente já não há pulseiras nas montras às seis da manhã. (Se calhar nunca houve, era apenas uma encenação fílmica.) Mas o edifício é lindo. E a dois passos está o Central Park.

Annie Hall

E então lá estão eles, sentados num banco de madeira, a ver a vida a passar. Woody Allen e Diane Keaton, típicos nova-iorquinos, daqueles que usam (usavam) blazers de bombazina e calças largas, daqueles que leram os livros certos e debitam frases espirituosas sobre o que se passa cá fora. Cá fora é o mundo. Lá dentro são os livros, o complexo, o críptico, a fantasia.

Lá estão eles, sentados no Central Park, num banco que muito provavelmente tem uma placa onde se lê: “Este banco foi oferecido pela Sra. Taylor que gostava de vir aqui.”

O Park não mudou desde o filme de Woody Allen, de 1977. Continua a funcionar como pulmão da cidade, massa verde e gigante onde se misturam copas e lagos e pessoas, e onde se pode fazer tudo. Passear quilómetros, andar de charrete, ver crianças a brincar, receber a luz como quem recebe uma bênção, pôr pequenos barcos a deslizar, patinar nos lagos quando o Inverno é duro, correr, correr e empurrar o carrinho de bebé ao mesmo tempo, ver esquilos enormes, sentir que se está noutra dimensão mesmo que os prédios toquem o céu e sejam visíveis de todo o lado. Inventar vidas para as pessoas que passam e presumir que estas, por sua vez, inventam vidas para nós. Quem seremos ali? Parecemos aquele casal do filme de Woody Allen?

Taxi Driver

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