Fugas - Viagens

  • Miguel Nogueira
  • Miguel Nogueira
  • Miguel Nogueira
  • O eucalipto de Sátão
    O eucalipto de Sátão Miguel Nogueira
  • O castanheiro de Tresminas
    O castanheiro de Tresminas Miguel Nogueira
  • O carvalho-alvarinho da Póvoa de Lanhoso
    O carvalho-alvarinho da Póvoa de Lanhoso Miguel Nogueira
  • O Plátano da Quinta da Fôja, Santana, Figueira da Foz
    O Plátano da Quinta da Fôja, Santana, Figueira da Foz Miguel Nogueira
  • As formas excêntricas do pinheiro-bravo da Mata Nacional de Leiria
    As formas excêntricas do pinheiro-bravo da Mata Nacional de Leiria Miguel Nogueira
  • A alameda de freixos de São Salvador da Aramanha
    A alameda de freixos de São Salvador da Aramanha Miguel Nogueira
  • O plátano da Quinta da Fôja
    O plátano da Quinta da Fôja Miguel Nogueira
  • A oliveira milenar de Serpa;
    A oliveira milenar de Serpa; Miguel Nogueira
  • A alfarrobeira de Moncarapacho
    A alfarrobeira de Moncarapacho Miguel Nogueira

Continuação: página 2 de 4

Os monumentos vivos de Portugal

Não é comum receber-se pedidos para visitar a árvore cuja copa ocupa todo o espaço livre no quadrado ajardinado por detrás da “casa grande”: o tronco está no centro, a partir dele desenham-se caminhos entre canteiros de hortênsias e jarros delimitados com buxo. Não é o plátano mais alto de Portugal, mas é o mais grosso e o que apresenta, provavelmente, o maior volume de copa, tornando-o no mais majestoso. Esta é a informação que a Árvores de Portugal nos compilou: a majestade está lá, com a copa a subir, carnosa e verde escuro, falta apenas alguma amplitude à nossa visão — é impossível porque há edifícios a toda a volta (ao longe, da auto-estrada, iremos ver parte da copa por detrás de telhados).

Temos sorte: parte da família, que não vive aqui a tempo inteiro, está na casa, mas noutro jardim. Muitas vezes, fazem churrascos neste jardim, à sombra do plátano, uma das pernadas a servir de suporte para um baloiço, corda a segurar uma tábua de madeira, virado para as cavalariças, outras apoiadas em escoras. Tem a companhia de magnólias (uma tombou durante um temporal) e até uma nespereira e uma laranjeira (laranjas azedas que são utilizadas para compotas) dificultando destrinçar umas copas das outras — o resultado é uma frescura impenetrável.

Pinheiro-bravo | Mata Nacional de Leiria, Talhão 273, Parcela A, Marinha Grande

Os nomes pelos quais é conhecido são por si só evocadores: pinheiro-serpente, pinheiro-rastejante. É, na verdade, um pinheiro-bravo (Pinus pinaster Aiton) que a proximidade com o litoral desenhou com formas caprichosamente rasteiras ao solo: o vento que sopra do mar ali ao lado, a salinidade do solo, condicionaram o seu crescimento, que é uma perplexidade da natureza perante a sua própria resistência e adaptabilidade. Há um, aquele que buscamos, que se destaca pela complexidade estética; mas garantimos que não é o único “rastejante” destas matas, as formas excêntricas não são incomuns nas redondezas.

A neblina que deveria ter sido só matinal afinal acompanha todo o dia no litoral centro português. Está um “dia atlântico” quando seguimos com o mar ao lado, serpenteando entre este e pinhais — não uns quaisquer, o mítico pinhal de Leiria, ou pinhal do rei (na verdade, Mata Nacional), que a tradição diz ter sido mandado plantar por D.Dinis e fornecido a matéria-prima para as caravelas portuguesas. De qualquer forma, está um dia apropriado para mitos e Fernando Pessoa, na suaMensagem, vem-nos à cabeça, quando fala do “plantador de naus a haver”, que escuta o “rumor dos pinhais”, que são como “o trigo de um império”: “É o som presente desse mar futuro,/ É a voz da terra ansiando pelo mar.”

É pela Estrada Atlântica, então, até uma placa nos desviar por um caminho de terra batida: “pinheiro bravo”, lemos num relance só a confirmar o que as coordenadas GPS nos dizem. São elas que nós levam até ao pinheiro exacto, já que não surge mais nenhuma informação e pinheiros bravos é o que mais há aqui, invadindo tudo para lá do caminho que desemboca num areal. Este pinheiro, contudo, é um prodígio de formas, como se moldado por uma criança de criatividade hiperactiva. E indecisa: numa parte vemos uma cabeça de polvo com olhos semicerrados, noutra um crocodilo de olhos arregalados; ali está um elefante bebé com a tromba enrolada e aqui, só agora reparamos, está um dragão sem rosto, só mandíbulas; os chifres de um veado destacam-se para cima, mas os olhos voltam inevitavelmente ao solo, porque noutro ângulo descortinamos o monstro do lago Ness e logo atrás uma jibóia saciada.

Sim, é impossível a nossa imaginação não soltar amarras, como quando seguimos nuvens que pintam o céu, perante esta imagem. Mas aqui não tiramos os olhos do solo, seguindo o tronco rasante, que se bifurca amiúde, desvendando arcos e curvas; as raízes são várias, misturadas, não lineares, e a ramagem, numa e noutra extremidade, é quase irrelevante. Mas ainda conseguimos imaginar um guarda-sol numa delas.

--%>