“Não queremos alargar o leque de praias naturistas em Portugal. Queremos é encher as que já temos”, afirma Rui Elvas. O presidente da Federação Portuguesa de Naturismo está sentado no areal do Meco num sábado ao início da tarde, ao lado da mulher, Isa, que é presidente-adjunta daquele órgão fundado em 1977 e que congrega os clubes naturistas portugueses. O céu está encoberto e talvez por isso, apesar do calor, a praia não esteja tão cheia quanto seria de esperar em pleno Verão. À nossa volta estão algumas pessoas a fazer nudismo, mas há também várias de fato-de-banho — são, para os nudistas, “os têxteis”.
“A placa que indica que esta é uma praia naturista está ali”, diz Rui, apontando para o início da falésia atrás de nós, “e no entanto vemos várias pessoas que não estão a fazer naturismo e que vêm ocupar um pouco o nosso espaço”. Não que seja proibido estar vestido numa praia de nudismo, mas os naturistas sentem alguma injustiça no facto de os espaços autorizados para a prática de nudismo serem ocupados por quem não o quer fazer, enquanto nas chamadas “praias toleradas” (cerca de 20, a lista pode ser consultada no site da Federação) os nudistas poderem ser obrigados a vestir-se se houver alguma queixa.
Em Portugal — onde já se praticava nudismo nos anos 20 do século passado nas praias da Costa da Caparica, tendo depois, com a ditadura, passado a ser considerado um “atentado ao pudor”, e renascendo apenas no pós-25 de Abril — existem hoje sete praias oficiais para naturistas, todas no Sul do país (zona de Lisboa, Costa Vicentina e Algarve): Adegas, Alteirinhos, Barril, Belavista, Deserta, Meco e Salto.
Depois, existem as “toleradas” ou “praias de uso e costume”, que são habitualmente frequentadas por nudistas, mas que, não sendo oficiais, podem levar a que os outros utilizadores protestem. Foi o que aconteceu recentemente na praia da Adiça, junto da Fonte da Telha, onde “alguém que se sentiu incomodado alertou a polícia marítima”. E, numa situação destas, “não há nada que os nudistas possam fazer”.
“Quando pedimos uma praia oficial para nós não estamos a tirar nada a ninguém. Estamos só a pedir um espaço para estarmos à vontade, sem achar que estamos a incomodar alguém”, explica Rui, à frente da Federação há dois anos. No entanto, repete, o número de praias oficiais existente em Portugal é suficiente para as actuais necessidades da comunidade naturista.
O principal objectivo da Federação actualmente é combater alguns preconceitos que continuam a existir — de tal forma que a própria comunidade utiliza a expressão “naturismo” para “retirar alguma carga negativa que possa ser associada à palavra ‘nudismo’”. Mas, frisa Rui, “o naturismo já implica outras coisas, como o vegetarianismo, por exemplo”. “Por isso, na verdade, o que nós estamos a fazer é nudismo.”
Uma das coisas que tem contribuído para essa carga negativa é uma certa colagem da comunidade swinger (troca de casais) ao nudismo. “Naturismo não é sexo, mas a comunidade swinger usa muito o ambiente naturista para levar membros para as suas fileiras, e isso levanta-nos problemas. O naturismo é uma coisa pública, enquanto o swing e outras práticas sexuais são do foro íntimo”, sublinha. Isto leva a que algumas pessoas considerem os nudistas “pervertidos”. Para contrariar esses preconceitos, a actual direcção da Federação aposta na imagem do nudismo como uma prática familiar — Rui e Isa apareceram já em capas de revista nus e acompanhados pelo filho pequeno.
Para além disso, promovem actividades para famílias. O Clube Naturista do Centro organiza, fora dos meses de Verão, encontros na Piscina do Alvito, em Lisboa, num horário só para nudistas. Começam também a aparecer cada vez mais alojamentos naturistas, mas, por exemplo, organizar um jantar para a comunidade naturista não é fácil porque “não há muitos restaurantes que aceitem fechar” só para eles.
“A situação ainda não é a ideal, mas tem melhorado muito”, diz Rui, que tem esperança que tudo isto contribua para que mais pessoas adiram a este estilo de vida e que as que já praticam o nudismo o assumam sem problemas. “Calcula-se que existam cerca de 10 mil naturistas em Portugal, mas é difícil contabilizar porque há muitas pessoas que não dizem.”
Rui e Isa esperam que o número de praticantes continue a aumentar e que as praias naturistas encham e venham a ter concessões e serviços de apoio (nadadores-salvadores, bares, chuveiros) como existem nas outras praias. “É aqui que se perdem os estatutos sociais, ninguém usa biquíni da marca y ou z”, dizem. “É tudo muito mais puro, muito mais natural. Aqui, a aceitação do corpo é muito mais verdadeira.”
As praias naturistas oficiais
Meco, Sesimbra
A praia é para todos, os serviços só para os “têxteis”
Deixamos o carro num dos vários parques de estacionamento que servem a praia do Meco, na zona de Sesimbra, entre a lagoa de Albufeira e o cabo Espichel, e começamos a descer por entre as dunas para o areal. Já na praia, viramos para o lado esquerdo, e ao fim de meia dúzia de passos avistamos uma placa a indicar o início da praia naturista do Meco. Mas é preciso ir atento, porque a placa está meio escondida, junto da falésia — por isso, para a maioria dos utilizadores não é muito claro onde começa exactamente a zona destinada ao nudismo.
A praia “têxtil” fica à nossa direita, a poucos metros, e, na zona em frente dos restaurantes, há chapéus-de-sol, espreguiçadeiras, e, habitualmente, muita gente. Esta proximidade faz do Meco uma praia bastante “porosa”: os nudistas estão no espaço reservado para eles, mas este acaba por ser também muito frequentado pelos “têxteis”, que vão dar passeios à beira-mar ou até às bicas de água doce (que ficam em plena zona naturista), para cobrir o corpo com a argila da falésia, que se acredita ter propriedades terapêuticas.
José Miguel Santos Lopes, frequentador habitual, acompanha-nos e vai explicando algumas das dificuldades com que os nudistas do Meco se confrontam. Na zona “têxtil” esta é uma praia concessionada e por isso com todos os serviços necessários: há dois restaurantes, com casas-de-banho e chuveiros exteriores, e há vigilância permanente dos nadadores-salvadores. Já o lado naturista da praia não tem nenhum destes serviços (embora os nadadores-salvadores passem por vezes de jipe pela beira-mar).
José Miguel lamenta que quem pratica nudismo não possa passar por um chuveiro de água doce (para o fazer na zona têxtil teria que vestir um fato de banho) se quiser, por exemplo, ir da praia directamente para um restaurante na Aldeia do Meco. Além disso, é aconselhável que os nudistas tragam comida, porque, apesar de os dois restaurantes ficarem próximos do início da praia, para os frequentar é necessário usar fato-de-banho.
Tirando estes detalhes, este é um areal excelente, protegido pela falésia (no cimo da qual aparecem também, por vezes, alguns mirones a observar os nudistas), e com um mar ideal para quem gosta de ondas (com as devidas precauções, claro, porque não é um mar fácil).
A outra praia naturista na região de Lisboa é a da Belavista, na Costa da Caparica, próximo da Fonte da Telha. O acesso é feito por carro (há estacionamento na praia) ou pelo pequeno comboio que serve as praias da Caparica, com saída na paragem 17. Mas, atenção, para quem chega à Fonte da Telha, a praia para o lado esquerdo é a naturista oficial, e a que fica para o lado direito, a Adiça, é apenas “tolerada” — aí, se alguém se queixar, a polícia marítima poderá pedir aos nudistas que se vistam, ou que mudem para a Belavista. A.P.C.
Adegas, Odeceixe
Uma praia despida para deslumbrar
Aqui por Odeceixe, muito antes de nos dedicarmos à natural beleza da praia, há outras belezas naturais para apreciar. A zona da praia dista uns bons três quilómetros da terra e obriga, felizmente, a serpentear pela estrada que acompanha a ribeira de Seixe, criadora da unicidade da praia principal.
É fácil chegar de carro, que há estacionamento quase em cima do mar (já achar lugar pode ser mais complicado...) e, no Verão, um comboizinho-autocarro faz também a ligação. Já nós, ainda tentámos ir a pé para desfrutar do passeio até à praia mas assim que, no início da estrada, perguntámos pela distância a um casal recebemos logo como resposta uma boleia até quase ao areal. Nada como a simpatia para conquistar logo o turista.
A praia de Odeceixe enche-nos o olho, larga como um mundo, mar de um lado, águas da ribeira do outro. Mas os nossos passos vão para o lado sul. A vizinha praia das Adegas, onde anda quase tudo a nu. Chegámos a meio da manhã, para aproveitar a maré baixa (que também aqui quando enche, o areal evapora-se), garante de podermos apreciar a praia em todo o seu esplendor — e com maré baixa também se passa de uma praia à outra. O acesso é fácil, por um caminho de terra batida que desagua numa pequena escadaria. Depois, a praia abre-se em abrigada baía, num postal de formações rochosas que guardam segredos.
Do lado direito, uma pérola: um laguinho após o qual ainda se encontram línguas de areia que vão penetrando nas grutas. Pelo areal, grande parte dos banhistas opta pelo naturismo mas a população mistura-se e também há por ali muito têxtil.
É a passear de um lado ao outro da praia que encontramos Carlos que, nos seus sessentas, apenas veste um boné e uma barba branca. “Esta praia é uma maravilha”, resume, apontando logo para a zona da gruta. “Há até quem lhe chame de gruta do amor”, sorri. A praia também chama muitas famílias, até porque, ao contrário de muitos locais frequentados pelos naturistas, tem assistência. João, o jovem nadador-salvador de 19 anos, garante a segurança.
Vestido como manda a farda, diz-nos que para ele não há diferença entre praia de nus ou de vestidos. “Vejo é mais gente nua que outros”, resume logo. Ainda assim, lembra que “há ainda quem lhe faça impressão”. “Um dia, um homem, aproveitando a maré baixa passou da outra praia para aqui. E quando viu tanta gente nua começou a gritar: ‘Pouca vergonha! Não há direito’. Tivemos que ir acalmá-lo e explicar-lhe que aqui era legal o nudismo.” L.J.S.
Alteirinhos, Zambujeira do Mar
Como um poema em que rocha rima com mar
Nos Alteirinhos, sente-se a dualidade. Conforme a altura do dia, época do ano e marés, tanto pode parecer uma praia quase deserta como não, tanto pode parecer uma praia de nudismo como não. A sua localização ao lado da concorrida praia central da Zambujeira do Mar, juntamente com os acessos fáceis (agora com “modernismos” como estacionamento e escadaria de madeira — longa mas segura), torna-a muito apetecível, em partes iguais, por naturistas e por muitas famílias que preferem não abdicar da roupinha.
“A nós não nos fazem confusão nenhuma os nus”, diz-nos a mãe Joana, porta-voz de um grupo familiar entre pais e filhos, todos vestidos. “Custa a chegar mas é uma praia muito boa para as crianças, especialmente por causa das pocinhas.” Fala-nos sob dois chapéus-de-sol e rodeada de farnéis e atira logo: “Também ninguém nos obriga a despirmo-nos.” Já João Saraiva, que encontramos despido de preconceitos num dos muitos recantos em que se dividem os Alteirinhos, está “farto” de tanta roupa. “Se vêm para uma praia nudista deviam ser todos obrigados a despir-se!”, defende entre gargalhadas.
Está visto que a beleza desta praia, protegida por altas falésias e agora com muita rocha enfiada na areia à vista, convence toda a gente. Logo à entrada, é o som e frescura de uma catarata. Depois os recortes quase poéticos das rochas, que formam piscinas e lagoas. Avançando pelo areal, admiram-se, especialmente ao final do dia, os quadros perfeitos de reflexos e jogos de limos e rocha. E lá ao fundo, para além dos rochedos que parecem pôr fim à praia, um recanto onírico, só acessível em maré baixa e mais utilizado e apetecível para quem procura despir-se de tudo: uma língua de areia protegida numa pequena baía e que responde pelo romântico nome de Meia Laranja. Se puder, fique até ao derradeiro raio de sol. Não só por poder conquistar o direito à praia deserta como este pode bem ser um dos anoiteceres mais belos do mundo, com o regresso à Zambujeira, no anoitecer, a permitir admirar a terra numa beleza nocturna luminosa: do alto da colina dos Alteirinhos é de onde fica mais bonita, quase a deitar-se para a praia. L.J.S.
Salto, Porto Covo
Nesta cova, é tudo a nu
Vamos andando pela costa de Porto Covo e sucedem-se pequenas praias recortadas que parecem quase ao nível do caminho — mesmo a sua praia Grande nos parece pequenina, embora particularmente apetecível, porque tem o único café-esplanada perto do nosso destino. “Com a maré baixa”, diz-nos Marília, do café desta praia, “pode ir-se pela praia e achar uma atrás da outra”. Inclusive a praia naturista que procuramos, a praia do Salto. “É muito procurada, especialmente pelos estrangeiros”, afiança.
Nós vamos por cima e assim que avistamos a plaquinha de “praia oficial naturista” descobrimos uma praia que é uma cova. Uma pequena escadaria conduz-nos ao areal que, embora reduzido, é quase todo nosso. E por aqui estamos todos nus. Entre duas bicas de água doce que correm para a praia, dois banhistas solitários, um casal, a um canto até uma tenda.
Mas fomos madrugadores. Ao longo da manhã mais gente vai chegando, sempre mantendo o rácio de 100% nudez. “Aqui está sempre tudo nu”, diz-me Sérgio sob o seu chapéu. Ele, com os seus 67 anos, tem ao lado a mulher, Edite, de 66. São vizinhos, de Sines, mas sempre que podem fogem para o Salto, tirando uma escapada a uma ou outra das várias praias próximas que, não sendo oficiais, têm regime de “tolerância”. “Pessegueiro, Aivados”, aconselha do alto das suas muitas décadas de naturismo e de um bronze de uma solidez à prova de qualquer Inverno.
Já reformados, gostam de gozar a nudez nesta praiinha, que é “sempre muito abrigada”. Deitada de barriga para baixo, Edite, que mais por jeito que por incómodo de vez em quando sobe a toalha junto aos seios, nem liga aos “muitos mirones” que a costa baixa permite. O que lhe faz impressão é gente que vem vestida deitar-se na praia nudista. “Pergunto-me por que raio com tanta praia à volta vêm para esta de calções e fato de banho.” Talvez pelo prazer do olhar?, pergunto. “Sim, sim, é isso”, remata João, “é mesmo pelo prazer do olhar!”. L.J.S.
Barreta, Faro
Ilha deserta de intocados encantos
Chamam-lhe Deserta e não podia ser adjectivo (nem elogio) maior: a Barreta é um paraíso (quase) intocado no seio do veraneante Algarve, em pleno coração da ria Formosa. São onze compridos quilómetros de areia, que se estendem desde o cais de acesso à ilha — paredes meias com a praia do Farol, na vizinha ilha da Culatra — até quase beijar a praia de Faro, na península do Ancão. Uma infinita língua de areia, com coloridas conchas, búzios e pedrinhas à beira-mar e vegetação dourada ao centro, banhistas que se contam pelos dedos na zona concessionada e que se desvanecem ao avançarmos pelo areal.
Chegamos de barco, a partir do cais da Porta Nova, em Faro. Uma viagem de 35 minutos pelos canais da ria, onde podemos observar algumas aves que por ali habitam nesta época. Vamo-nos afastando da capital algarvia, sempre sem perder Olhão de vista, um pouco mais longe, e aproximamo-nos da barra construída pelo homem no início do século XX que desde então divide a grande ilha em duas: Culatra e Deserta. Daquele lado dezenas de casas alvas e o alto farol, deste lado oito minúsculas cabanas de madeira azul, um moderno restaurante e nada mais que areias de águas cálidas, dunas cobertas por um manto de florzinhas amarelas onde serpenteia o passadiço de madeira e dezenas de gaivotas (por vezes também ali voam borrelhos, garajaus, andorinhas do mar ou gaivinas).
A placa informativa indica que a “zona destinada à prática do naturismo” fica “a poente do local onde desemboca o passadiço”, embora o mapa lateral a sinalize à esquerda. Ansiosos por enterrar os pés na água, optamos por iniciar a caminhada no areal, junto à zona concessionada. Mais de meia hora salpicada na maresia e quase não avistamos vivalma. Um casal aqui, um solitário acolá, biquínis e calções de banho. Começamos a duvidar termos chegado ao sítio certo, mas o mapa dizia ser perto da estrada de madeira que ali desemboca, ao lado de uma inusitada instalação artística: um ramo despido rompe o céu azul, a base pintada de tons garridos, o meio coberto de placas que indicam a direcção e distância de algumas das principais capitais do mundo. Tanta sinalética e nada que revele termos chegado à última zona do país onde foi autorizada a prática de naturismo, em 2011. Estamos prestes a desistir de encontrar naturistas quando o nosso olhar encontra o corpo despido de Dolores.
A espanhola, de 36 anos, também não sabe se chegou ao sítio certo. Veio andando, tal como nós, chegou a uma zona de areal quase deserta e ficou. Está pela primeira vez em Portugal, numa semana de férias, procurou praias naturistas na Internet e veio cá parar. No dia anterior esteve na praia do Barril, em Tavira. “Também é encantadora, muito semelhante a esta, mas com muito mais gente, incluindo naturistas”, conta. À Barreta só se tem acesso a partir de barco e o elevado preço do ferry(10€ de Faro ou 7,5€ de Olhão, este com paragem em Hangares e Farol) acaba por afastar grande parte dos banhistas. O reverso da moeda: é o sítio ideal para iniciantes no naturismo que ainda não se sintam totalmente à vontade mas também para uma verdadeira comunhão com a natureza, principal bandeira da filosofia naturista. “Em comparação com as praias de Espanha, esta é muito melhor porque o areal é limpo, a praia longa e pouco povoada”, defende. “Para quem procura tranquilidade e relaxe, é o sítio perfeito.” M.G.
Barril, Tavira
O Algarve vai nu
É provavelmente a areia mais sedosa que alguma vez pisámos, um lençol de farinha creme a perder de vista, de um lado o mar levemente picado, do outro pequenas dunas de cabelos ao vento. Chegar à praia do Barril, na ilha de Tavira, é relativamente fácil, o que faz dela uma das preferidas dos veraneantes que escolhem esta região algarvia. É deixar o carro junto ao aldeamento de Pedras d’El Rei, a sete quilómetros da cidade, passar a estreita ponte pedonal e seguir a pé ou num dos pequenos comboios turísticos (1,20€ cada viagem) os mil metros que serpenteiam até à praia. A primeira zona naturista autorizada no Algarve, há 18 anos, fica a cerca de 750 metros pela direita, ainda antes da praia que lhe deu “origem”, a praia do Homem Nu, localizada no extremo ocidente da ilha.
Nem dez minutos andámos pela linha de água e já avistamos dezenas de naturistas: velhos solitários a passear à beira-mar, vários casais, grupos de amigos e uma jovem família com três petizes, pais e filhos numa corrida desenfreada a jogar à apanhada. Placas é que mais uma vez nem vê-las, mas existiam, garantem-nos Alexandrina e João, que ali fazem naturismo há mais de 20 anos. “Até comentámos que este ano não as vimos, mas sabíamos que era mais ou menos aqui”, conta Alexandrina. Ainda não tinham os filhos, de 17 e 12 anos, quando ali foram pela primeira vez “experimentar”. Gostaram — “é uma quebra na rotina”, defende João — e começaram a trazê-los, porque “a praia é bastante acessível e a planície na água mais fácil para as crianças”, conta Alexandrina. “Agora é que já não fazemos tanto porque eles estão na idade da transição e não querem muito vir”, lamenta o marido.
O chapéu-de-sol e o pára-vento verde escuro do casal de Faro distam poucos passos da água, onde João tem duas canas — “não posso pescar nas áreas concessionadas mas aqui dá para conciliar”, diz, mostrando os 14 peixes-aranha e o robalo que já apanhou. No entanto, a maioria dos naturistas recolhe-se sobre as dunas ou até mesmo atrás delas, o que não nos surpreende. A linha de água mais parece uma auto-estrada de gente vestida: uns no passeio habitual de desentorpecimento, outros em trânsito para faixas de areia menos ocupadas, quase todos numa luta mais ou menos óbvia entre a curiosidade e o pudor.
Já nós começamos a lamentar não ter tido tempo para um desnude iniciático na deserta Barreta mas ao mundo viemos, a roupa solta, o corpo nem tanto. A verdade é que a afluência de vestidos e despidos na praia do Barril não será propriamente amiga de inexperientes como nós, cujo cérebro ainda se debate contra as vergonhas que nos escondem desde sempre, mas basta ir caminhando pelo extenso areal para encontrar uma porção de areia conforme o à-vontade de cada um. João confirma que pelo menos o número de naturistas tem aumentado ali nos últimos quatro anos, principalmente estrangeiros, mas não é um problema. “Há sempre espaço para todos”, remata. M.G.