As crianças da fotografia eram suas vizinhas em Timor. Cruzava-se com elas todos os dias. Costumava vê-las brincar com pneus. Num dia de chuva, João olhou para o chão molhado, parou, saiu do carro e, durante algumas horas, falou e brincou com elas. No meio de brincadeiras, captou várias fotografias. Foi com uma dessas fotografias que João Galamba de Oliveira se sagrou vencedor português na edição do ano passado do Sony World Photography Awards, um concurso internacional de fotografia que premeia um vencedor por país.
“Gosto muito desta fotografia. Costumo dizer que tendemos a gostar da fotografia pelo momento ou envolvência que tem. Esta fotografia diz-me muito. Estive muito tempo a falar e a brincar com as crianças. É uma coisa que faço sempre. Normalmente passo tempo com as pessoas que fotografo”, explicou João ao P3, numa conversa por Skype.
Largar tudo em Portugal
A fotografia vencedora foi captada em Junho de 2013, um mês depois de João ter chegado a Timor, onde vive há ano e meio. “A minha companheira é timorense, vim cá de férias conhecer o país e gostei tanto que decidi largar o emprego que tinha em Portugal. Vim para cá à aventura, à procura de emprego. Felizmente correu bem”, conta o jovem de 25 anos que trabalha como jurista numa sociedade de advogados portuguesa.
Formado em Direito, pela Universidade Nova de Lisboa, João nasceu em Coimbra, mas viveu grande parte do tempo em Ourém e, mais tarde, na capital onde esteve até ir para Timor. Jurista a tempo inteiro, é aos fins-de-semana que o jovem se dedica à fotografia, um gosto que surgiu apenas há quatro anos. Desde então, já foi distinguido em vários concursos nacionais e internacionais.
Fotografia, "uma arte inesgotável"
João estava a viver temporariamente em Cascais. Perto de casa existia uma loja de “artigos tecnológicos de topo”, onde, “uns “phones” com um diamante custavam cinco mil, 10 mil euros”, exemplifica. Todos os dias, o jovem cruzava-se com um sem-abrigo que passava por essa loja. Foi “este contraste de rico e de pobre” que lhe fez “sentir a necessidade de fotografar e denunciar esta situação”. Fez umas poupanças e, passado pouco tempo, comprou uma máquina fotográfica. Foi fazendo fotografia de rua, de paisagem e o “gosto foi-se cultivando”. Em 2011, tirou um curso de fotografia na Oficina da Imagem. “Tento aprender mais e mais, porque a fotografia é uma arte inesgotável de aprendizagem. Todos os dias acompanho “sites” e blogues de fotografia e vejo muitas fotografias”, conta.
“Nasci em 2010, que é o mesmo que dizer a data em que comecei a fotografar”. É desta forma que João se descreve na página de Facebook onde partilha o seu trabalho. E o que quer dizer? “Significa que é de tal maneira importante para mim. Eu sinto que vivi mais desde que comecei a fotografar e a mostrar aos outros aquilo que sinto ao passar pelas coisas”, salienta.
Para João, fotografar é “mostrar um pouco da realidade” que vê. Não considera, por isso, que um retrato deixe de ser bom, só porque foi editado e explica: “As fotografias são sempre editadas e cabe ao fotógrafo fazer delas uma forma de expressão. Numa fotografia de paisagem, por exemplo, a forma como eu edito é a forma como eu a senti. O retrato fiel de como eu vi a paisagem é muito difícil, senão impossível, porque ninguém vai ver a forma como eu vi, mas como eu senti. A fotografia pode ilustrá-lo e é isso que eu faço: mostrar aos outros aquilo que eu senti”.
A fotografia não é um mero passatempo, mas um “hobby bastante sério”. Revela que passa muito tempo a editar fotografias e que faz muitas caminhadas a lugares aos quais não dá para ir de carro “só para conhecer determinada paisagem ou a vida daquelas pessoas que vivem tão isoladas da sociedade”. É este “sacrifício”, conta, que depois compensa os resultados que tem no produto final.
Apesar da importância que a fotografia ocupa na sua vida, João não pensa em abdicar da sua actividade profissional. “Claro que me fascinaria trabalhar na fotografia a tempo inteiro, mas a cultura é sempre filha bastarda do Orçamento de Estado. Ainda há um pequeno espaço para a fotografia de marcas, agora a fotografia documental, de denúncia do sistema, que é o que eu gosto, não lhes interessa, não há apoios”, contesta.
“Timor é muito fotogénico”
João viaja bastante por Timor, pois gosta de conhecer bem o país onde vive. Já fotografou outros países, como Espanha, Suíça ou Irlanda, mas ainda que os considere também “muito fotogénicos”, considera que não é “em três dias num sítio” que se consegue “entrar culturalmente na vidas das pessoas”, como é possível em Timor. “Estou cá há um ano e meio, há pessoas com quem estou todos os dias e crio laços de amizade. Falo a língua local, o Tétum, e tendo uma base de comunicação sólida é muito mais fácil integrarmo-nos no sítio onde estamos”, explica.
O jovem jurista conta que em Timor há uma “forte pertença a um espaço” e se vive “realmente em comunidade”. Considera ainda que “o povo timorense recebe muito bem” e que, por isso, não foi difícil fazer parte da família deles. “Eles têm casas sagradas, onde têm reuniões familiares, onde é feita a matança do porco e poder assistir a esta cultura é muito interessante de registar fotograficamente”, revela João, salientando que “Timor é muito fotogénico”.
E como é Timor? “Viver e trabalhar aqui é completamente diferente daquilo que conhecemos”. João vive na capital, em Díli, e acorda às 5h da manhã com o cantar dos galos. Sai de casa e tem porcos a atravessar a estrada, conta, e não há prédios com mais de dois andares. “É o que seria considerado uma cidade-campo”, observa. Quanto às viagens, são “uma aventura”, descreve: “Para percorrer 100 km são quatro horas literalmente. Temos que ir de jipe todo-o-terreno”. Ainda assim, não pondera para já regressar a Portugal. Considera que, pela forma como foi recebido, só pode estar “grato a este país”, onde pretende continuar a viver enquanto se sentir bem.