Fugas - Viagens

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Sara: Quanto mais nele andamos, mais deserto ele fica

Dia 2
29 de Dezembro 2014
Acordamos de madrugada, pelas 6h30, ainda o sol não nasceu. Ao contrário do que era anunciado no programa, o duche colectivo não é quente, é bem frio. Começou, afinal, mais cedo, a versão acampamento. Conseguimos ver com a luz do dia que as paredes das estruturas onde estamos são uma espécie de prolongamento da terra do chão, um ocre meio rosa. Os camelos já estão, de facto, à espera num dos cantos junto ao espaço que faz de cozinha. Têm os joelhos atados para serem forçados a sentar-se — e não fugirem.  

As malas têm que estar prontas a colocar nos camelos antes de tomarmos o pequeno-almoço, às 7h30. Este será o ritual diário ao longo da travessia pelo deserto. Na mesa onde jantámos há agora papas de aveia, pão, compotas e queijo creme, café e leite em pó. Partimos perto das 8h, de mochila às costas com o essencial: água, protector solar, lenço, boné, uma peça de fruta, barra energética.

Mohamed guia-nos pelas dunas em direcção a ocidente. Não são muito altas, mas são várias, sobe e desce na areia, olha as palmeiras, olha agora as tamareiras, olha para trás e vê o terreno com a lama que secou e agora fica aos quadradinhos como chocolate — vamos andar por cima dela para ouvir o estalar.

As curvas, os ondulados, a forma das dunas variam tanto que é impossível apanhá-las. Depois há as sombras que mudam tudo. Nas fotografias, as diferenças quase não se notam. São mudanças tão subtis que é preciso tempo para as ver. Se se olhar depressa, perde-se esse pormenor e a sensação de monotonia da paisagem instala-se.

Houssain, o cozinheiro, e Youssef, um dos três condutores dos sete camelos, estarão a fazer o almoço num dos pontos combinados com Mohamed nas dunas de El Mazouaria. Vai demorar, porém, algum tempo até os encontrarmos. Quando chegamos, a esteira está montada, os colchões foram colocados à volta para nos sentarmos, chega um prato enorme de salada — tomate, azeitonas, cebola, pimento, pepino e queijo. A acompanhar arroz, sardinhas em lata e pão. Os almoços não irão variar muito além disto, mas a frescura dos vegetais torna-se garantia de uma refeição apetitosa. No deserto, paisagem e rotinas repetem-se.

Ainda não estamos, porém, em pleno coração do Sara. Vamos acampar perto do poço Oued Naamou, onde chegamos quase depois de o sol se pôr. As pernas cansam-se de tanto subir e descer e andar na areia — embora os 20 quilómetros diários sejam uma média razoável para quem está habituado a caminhadas, feitos no deserto elevam o nível de exigência física.

Mal o sol se põe as temperaturas baixam radicalmente. Na tenda sala-de-jantar há uma mesa e uns bancos prontos a receber o chá e os viajantes. Uma lâmpada que serve de lanterna aquece um pouco o espaço.

Cá fora, os jovens condutores de camelos Brahim e Wali aquecem-se numa fogueira junto à tenda-cozinha onde Houssain corta batatas e legumes num alguidar. Procuramos o calor. Wali tem o seu pequeno bule de chá, que aquece na fogueira. A forma como muda o chá de um copo para o outro e depois para o bule para conseguir que faça espuma é hipnótica. Fica nisto horas. A lua não está ainda cheia e o céu é como se previa: as estrelas brilham mais intensamente no escuro mas também no silêncio.

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