Dia 3
30 de Dezembro de 2014
É preciso não tirar a colina Jebel Bani de vista para ter a certeza que continuamos a seguir em direcção a ocidente. À medida que caminhamos numa paisagem cada vez mais parecida, pedra sobre pedra como se fossem resquícios de um vulcão, a nossa bússola interna desregula-se. Quando a paisagem é imensa e pouco variada, caminhar parece não ir dar a lado nenhum.
À “hora das nozes”, Mohamed tira o seu saco de frutos secos e tâmaras que distribui pelos viajantes. Hoje o vento é forte e, apesar do Sol, precisamos de um lenço extra para nos cobrir. O almoço será, por isso, não ao ar livre, como nos outros dias, mas na tenda. As dunas aqui começam a ser mais acentuadas, e já é possível imaginar uma prancha para as descer escorregando. O lugar onde iremos acampar desta vez tem um extra, um poço. Apesar de chegarmos quase de noite, a água está morna e de repente senti-la no rosto é uma festa.
Dia 4
31 de Dezembro
O culminar de todo o trajecto é chegar às dunas de Chegaga. São as segundas maiores de Marrocos depois das de Chebbi, em Merzouga. A duna mais alta tem 200 metros, diz-nos o programa. A segunda maior 180 metros. É no caminho que vemos mais claramente os vestígios da enorme tempestade que em Novembro tirou a vida a mais de 30 pessoas. O terreno está coberto de partes com areia ainda húmida, e há lama seca que se parte à nossa passagem.
Quando chegamos perto de Chegaga, pelas 15h, sentimo-nos em pleno Sara — e sentimos estar numa migalha deste gigante deserto, que tem o tamanho dos Estados Unidos e cobre partes da Argélia, Chade, Egipto, Líbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Sudão, Tunísia, Marrocos…
A espectacularidade do deserto manifesta-se em Chegaga e é por isso que ainda não nos aproximámos e já há fumo no ar: são os jipes que servem os acampamentos fixos a fazer uma nuvem de pó à sua passagem. A zona mais deslumbrante do trajecto é a mais povoada. Ouve-se música ao longe de um dos acampamentos, mesmo até de noite, e escalar as dunas é cruzarmo-nos com dezenas de viajantes e com vendedores de quinquilharia.
Do topo da segunda maior duna as formas, tamanhos, cores, subtilezas de desenho desta imensidão de areia perde-se de vista. O vento esculpiu aleatoriamente aquilo que aos nossos olhos parece agora um toque humano impossível de acontecer.
O silêncio deixou de ser a característica mais determinante do deserto. Mas nem por isso nos sentimos distantes do céu.
Dia 5
1 de Janeiro de 2015
Há gelo na tenda quando acordamos às 6h30. O saco de cama resistente a temperaturas negativas salvou-nos a noite. A imagem do nascer do sol nas dunas de Chegaga torna-se, porém, tão forte que conseguimos abandonar o calor. Duna acima e as cores da areia vão mudando, tornando-se mais laranjas. De repente parece que a jornada de quase 80 quilómetros a pé foi feita para chegar aqui, ver o sol nascer no deserto no primeiro dia do ano. Podíamos continuar a andar, e iremos continuar a andar até ao topo da duna mais alta de Chegaga durante a manhã, antes da hora de ponta. Mas o silêncio da madrugada será um bem raro — os jipes de quatro rodas e os helicópteros que fazem tours pelas dunas deixam no ar um som que não se conjuga com a paisagem.