Fugas - Viagens

  • DR
  • Um picante Bloody Mary
    Um picante Bloody Mary

Continuação: página 2 de 4

Uma viagem picante no Luisiana

Da dedicação de um banqueiro à criação de um mito da cultura pop e gastronómica americana houve um percurso que teve início após a Guerra Civil Americana. Este acontecimento deixou mossa no património da família e terá sido essa uma das razões que levou Edmund McIlhenny a dedicar-se ao fabrico de molho picante. No início era mais uma paixão: as primeiras produções eram engarrafadas em pequenas garrafas de água de colónia e distribuídas entre amigos. Ao contrário da história de sucesso que a marca contou durante anos, o fundador teve de fazer um grande esforço para manter o negócio de pé. Ao ponto de o seu obituário mencionar os seus feitos enquanto banqueiro, omitindo qualquer referência à sua última actividade. Contudo, o seu empenho, o investimento na plantação e no fabrico acabaram por constituir um legado importante a que os seus descendentes souberam dar continuidade, transformando-o num produto de sucesso conhecido e exportado para todo o mundo.

Longe vão os tempos em que quase dois terços dos terrenos da ilha eram ocupados pelos campos de malaguetas. Hoje, somente uma parte é cultivada e apenas para produzir sementes para os produtores da América Central e do Sul, com quem possuem acordos. Esta opção, além de lhes garantir uma qualidade superior, dadas as condições ideais para a produção da capsicum frutescens em países como o México, a Colômbia ou o Brasil, permite-lhes o fornecimento constante ao longo do ano, além de diminuir o risco de perda da produção face às intempéries que de tempos em tempos assolam o estado de Luisiana — como aconteceu quando o furacão Rita fustigou uma parte da ilha, em 2005.

Da semente ao prato

Dos campos até chegar ao prato o molho de Tabasco passa por um processo que pode durar cinco anos. As malaguetas são semeadas e colhidas nos países de origem, de onde saem moídas com sal. Já em Avery Island são colocadas em barris usados de whisky americano, onde fermentam por um mês e estagiam durante três anos. Após este período, as massas passam para tanques, sendo-lhes retiradas as peles e as sementes e adicionado vinagre (de milho). A partir daqui o molho é embalado, rotulado e enviado para 186 países. Apesar de ter uma gama diversificada, a maior parte das vendas centra-se na receita original, sendo os Estados Unidos naturalmente o primeiro mercado, o Japão o segundo e a ilha de Guam o território com maior percentagem de consumo per capita. E Portugal? “É um bom mercado”, diz-nos Osborn, sem adiantar mais detalhes. A companhia não fornece números específicos sobre as suas vendas mas adianta que a produção diária actual (o equivalente a 700 mil garrafas) é maior do que tudo o que o fundador produziu em toda a sua vida.

É altura de passarmos à prova das massas e, para tal, Harold Osborn leva-nos a uma das mash houses, o armazém 12. O cenário impressiona: são cinquenta e cinco mil barris, muitos deles com um ar envelhecido, como se estivessem ali há décadas. Por momentos lembram-nos as caves do vinho do Porto, em Gaia, mas o aroma é substancialmente diferente. “O que vamos provar é dez vezes mais picante do que o produto final”, diz o americano, enquanto distribui uma colher de metal com uma corrente para pendurar ao pescoço. Explica ainda como deverão ser lavadas as mãos no final e adverte para “em caso algum” tocarmos nos olhos antes de as lavarmos. Com tanta precaução parece que vamos ser entronizados numa confraria de dinamite. Porém, o traje fica-se pela colher de metal ao peito.

--%>