Um homem de túnica branca e barba comprida pede a outro que lhe tire uma fotografia. Senta-se no chão, encostado a um vidro, e o outro, com metódicas medições, coloca-lhe as mãos na posição certa para o efeito pretendido — quem vir a fotografia vai ter a ilusão de que o homem da túnica branca está a segurar entre os dedos um arranha-céus que aparece, pequenino, lá em baixo.
Estamos no topo do Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo, no Dubai, Emirados Árabes Unidos (EAU). Estamos, como dizem os folhetos que apresentam a enorme torre espelhada, a level above breathtaking, ou seja, um nível acima daquilo que, de tão extraordinário, nos deixa sem fôlego. O elevador que nos transporta até ao topo mostra-nos a ultrapassar outros ícones mundiais, das pirâmides do Egipto à Torre Eiffel, em Paris.
Subimos sempre mais alto, até aos 555 metros do nível 148. O bilhete que seguramos na mão dá-nos mais um número: “Se pesado, o total de cimento usado na construção do Burj Khalifa seria equivalente ao peso aproximado de 100 mil elefantes.”
À volta do pequeno espaço, todo em vidro, os turistas fotografam-se de todas as formas possíveis. Há quem se deite no chão, quem monte selfie sticks para se fotografar a si próprio, e quem, como o homem da túnica, brinque de todo-o-poderoso, segurando prédios entre os dedos como se fossem brinquedos. Daqui temos uma percepção mais clara do que é o Dubai: vemos a Sheik Zayed Road, com a sucessão de arranha-céus, mas percebemos que estes estão rodeados por zonas de casas mais baixas, cor de areia, que se estendem a perder de vista até ao mar. Entendemos melhor que estamos numa cidade que há não muito tempo era praticamente um deserto.
Há qualquer coisa de irreal no Dubai que tende a deixar-nos mais infantis. Será esta sensação de que tudo nos é permitido, desde construir ilhas artificiais em forma do mundo (“já abriu um clube no Líbano”, dizem-nos quando perguntamos que ilhas já estão ocupadas no The World) até beber um cappuccino polvilhado com ouro no topo do Burj al-Arab, o hotel de sete estrelas, exemplo máximo do kitsch, também localizado numa pequena ilha artificial?
Tudo aqui é feito para nos tirar o fôlego. O emirado — um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos — disparou em direcção ao futuro e deixou para trás, numa nuvem de poeira, o seu passado de pequena localidade de pescadores e apanhadores de pérolas. Quem quiser perceber de onde vem tudo isto terá que visitar o Museu do Dubai, no Forte Al-Fahidi, um dos mais antigos edifícios da cidade, e descobrir aí o que era a vida pacata dos beduínos que aqui habitavam antes de a riqueza chegar, no final do século XIX — a vida, aliás, que os navegadores portugueses encontraram quando chegaram a esta parte do Golfo, no século XVI.
Tareq, o nosso guia palestiniano, leva-nos numa breve viagem ao passado, uma visita à Casa do Xeque Saeed Al Maktoum. “Foi a primeira casa construída em Jumeirah, e era uma casa de férias do xeque”, conta. Foi em 1955. Nessa altura o mar chegava aqui perto e não havia mais nada à volta. O xeque e os seus acompanhantes (só os homens vinham até aqui) chegavam calmamente nos seus camelos e passavam o dia sentados nas almofadas brancas com delicados bordados, que ainda hoje podemos ver no chão da casa, a olhar o mar, a bebericar café e a comer tâmaras.
O actual futuro não chega
O outro vislumbre do passado acontece quando atravessamos o Dubai Creek, o braço de água do Golfo Pérsico que entra pelo emirado dentro, numa das embarcações tradicionais, os “táxis aquáticos” aqui chamados abra. Sentamo-nos na plataforma de madeira, ao lado dos outros habitantes locais que utilizam este meio de transporte, e, acompanhados pelas gaivotas e pela luz dourada do pôr do sol, atravessamos do bairro mais antigo da cidade, Bur Dubai, para Deira, onde ficam os souks das especiarias e do ouro.
A dinastia dos Al Maktoum, que ainda hoje governa o emirado, foi determinante para a história de sucesso que este vive. Os Al Maktoum chegaram, vindos de Abu Dhabi, em 1833, e governaram sob protectorado britânico, transformando o Dubai primeiro num porto livre de impostos e depois num negociante de ouro (que importava e exportava), garantindo-lhe assim a prosperidade até à descoberta do petróleo em 1966.
No início da década de 1970 chegou a independência e formam-se os Emirados Árabes Unidos, sendo Abu Dhabi o “irmão” mais rico — segundo o nosso guia, a diferença é entre uma produção de 2,8 milhões de barris de petróleo por dia contra 75 mil no Dubai. Daí a aposta deste no turismo desde há cerca de 15 anos. E com sucesso: dos 15 milhões de turistas que os EAU receberam em 2014, 11 milhões vieram visitar o Dubai.
E este não poupa esforços para agradar, dos hotéis mais extravagantes (no Atlantis, por exemplo, pode-se ficar numa suite debaixo de água e dormir como se estivéssemos num oceanário, com os peixes a nadar à nossa frente) aos maiores centros comerciais (o Dubai Mall, onde fica o Burj Khalifa, tem 1200 lojas).
Não admira, por isso, que haja quem chame a este enorme e luxuoso parque de diversões no meio do deserto Duvegas, comparando-o com Las Vegas — aliás, a Dubai Fountain, o espectáculo de luz e som com fontes de água a dançar no meio do deserto que acontece todos os dias em frente ao Dubai Mall e aos pés do Burj Khalifa faz lembrar o do hotel Bellagio em Las Vegas, mas é, claro, muito maior e “visível do espaço, sendo o ponto mais brilhante no Médio Oriente, e possivelmente em todo o mundo.”
Bem mais conservador, Abu Dhabi tem seguido uma estratégia diferente, apostando mais no turismo cultural, com a construção de um Distrito Cultural, que inclui nada mais nada menos do que o Louvre Abu Dhabi (projecto de Jean Nouvel, abertura em 2015) e Guggenheim Abu Dhabi (projecto de Frank Gehry, com abertura prevista para 2017).
No Dubai tudo muda a uma velocidade estonteante. Mesmo quem aqui vive há cinco ou seis anos diz que já não reconhece a cidade. E tudo vai continuar a mudar, porque o actual futuro já não é suficiente para o emirado, que sonha já com o próximo futuro: a Expo 2020, e tudo o que ela trará. Por todo o lado há guindastes e estaleiros de construção. Em frente da janela do nosso quarto no hotel Marriot Marquis — que é também “o hotel mais alto do mundo” — está a nascer outra torre. Na piscina ouve-se o ruído das construções à nossa volta, como se ouvíssemos a cidade a crescer.
Pressa de chegar a 2020
Nos últimos anos, a estratégia do Dubai tem sido desenhada com a sua companhia aérea, a Emirates. E é precisamente para o quartel-general da Emirates que nos dirigimos num início de tarde ameno. O local está em obras, como toda a cidade. É que a operação Emirates tem crescido tanto que em breve vai ser preciso mudar para um espaço maior. O interior parece uma gigantesca linha de montagem — os tabuleiros com louça suja vindos dos aviões que constantemente aterram no aeroporto ali ao lado (que acaba de destronar Heathrow como o maior aeroporto do mundo em número de passageiros, com 70 milhões a passar por ele em 2014) não param de chegar.
Cerca de 550 dos 3500 funcionários do catering da Emirates ocupam-se desta parte, a separação da louça, as lavagens, talheres para um lado, pratos para outro, lixo para o lixo, pauzinhos num sítio diferente porque só são usados nos voos para a Ásia. Daqui partem aviões para 147 destinos, com a maior parte das partidas entre as 7h e as 10h da manhã e as chegadas às primeiras horas da madrugada — e para estes aviões são preparadas diariamente 160 mil refeições, com características diferentes conforme o destino. E este é não apenas o aeroporto com mais passageiros, é também o mais mediático, desde que o National Geographic Channel lançou a série documental Ultimate Airport Dubai, que vai já na segunda temporada.
Pelo que vamos descobrindo, só a actividade no catering seria suficiente para preencher toda uma série televisiva. Paramos na parte dos vinhos. Para cada destino há, para primeira classe e executiva, uma carta de vinhos um pouco diferente. Se o voo for para Portugal, por exemplo, a carta inclui um vinho tinto português (e, para qualquer lugar do mundo, a primeira classe da Emirates oferece sempre vinho do Porto). Em 2020, a Emirates espera estar a transportar 70 milhões de passageiros por todo o mundo — e muitos deles para o Dubai, que aproveita o facto de ser um hub de grande dimensão para oferecer condições especiais para que os passageiros em trânsito façam uma escala de um ou dois dias no emirado.
E, entretanto, as coisas vão continuar a mudar. Quem visitar o Dubai daqui a seis meses ou daqui a um ano já verá um país diferente, com pressa de chegar a 2020. A Expo vai acontecer entre 20 de Outubro de 2020 e 10 de Abril de 2021 e são esperados 25 milhões de visitantes — note-se que o emirado tem uma população de dois milhões de habitantes, sendo os emiratis apenas entre 10 e 15%, enquanto os indianos e paquistaneses constituem quase 70%.
Acaba de ser dada luz verde para um ambicioso projecto, a Cidade de Aladino — três torres em forma da lâmpada de Aladino, suspensas sobre as águas e ligadas por pontes inspiradas nas formas de dragões e cobras, fechadas, com ar condicionado (o calor no Verão no Golfo é uma das grandes preocupações) e passadeiras rolantes.
Mas, ao mesmo tempo que continua a construir fantasias futuristas, o Dubai começa também a olhar mais atentamente para a sua herança. Mesmo ao lado da futura Cidade de Aladino fica a zona antiga, o Dubai Creek, com os seus barcos tradicionais, e o objectivo dos responsáveis do emirado é que seja reconhecida pela UNESCO como Património da Humanidade (a decisão é esperada em 2017).
“O Dubai antigo vai regressar à sua glória dentro de três anos, com um grande projecto de renovação do distrito histórico”, anunciava recentemente o jornal em inglês Khaleej Times. Os planos incluem “exposições flutuantes em embarcações tradicionais de apanha de pérolas, ecrãs interactivos com histórias do local, e espectáculos de luz e som projectados nos edifícios antigos e novos, em ambos os lados do Dubai Creek.”
Na mesma edição do jornal, um título cita o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, líder do Dubai e vice-presidente e primeiro-ministro dos EAU: “É preciso inovar constantemente para nos mantermos à frente.” Faz sentido. Afinal, este é o país que baptizou o seu plano estratégico para 2015 como “Dubai, onde o futuro começa”, e cuja companhia aérea proclama pelos céus do mundo: “Hello Tomorrow”. Já lá chegaram?
GUIA PRÁTICO
Quando ir
A melhor altura para visitar o Dubai é entre Janeiro e Abril ou entre Outubro e Novembro. Naquele que é considerado o Inverno no emirado, a temperatura é geralmente amena e é possível até fazer praia em pleno mês de Janeiro, embora à noite a temperatura baixe um pouco e seja aconselhável usar um casaco leve. A evitar são os meses de Julho e Agosto, quando as temperaturas se mantêm acima dos 40 graus e a humidade pode atingir os 95%.
Como ir
A Emirates, companhia aérea do Dubai, tem um voo diário com saída de Lisboa (13h35) e um voo de regresso Dubai-Lisboa (com partida às 7h10) também diário. Na classe económica existe actualmente uma promoção que coloca o preço em 599 euros. Se viajar em executiva (cerca de 2000 euros) ou primeira classe (perto de 5000 euros) não deixe de aproveitar os lounges da Emirates no aeroporto de Dubai, onde há um muito completo buffet de pequeno-almoço que é ideal para quem saiu do hotel sem ter tido tempo de comer.
Onde ficar
Se há coisa que não falta no Dubai são hotéis. Há cerca de 600 (um número que está sempre a aumentar) e, destes, 104 são de cinco estrelas. Os preços são bastante elevados, mas baixam um pouco nos meses mais quentes de Julho e Agosto. É aconselhável reservar com antecedência, e online, o que permite também conseguir promoções. Recentemente começou a surgir no emirado uma categoria de hotéis alternativa aos grandes arranha-céus ou aos resorts de praia que vale a pena explorar: os boutique hotels e os B&B.
Onde comer
Em todo o lado se pode comer bem. Alternativas não faltam. Só no enorme Dubai Mall há mais de 150 espaços ligados à alimentação, restaurantes com cozinhas de todo o mundo, lojas especializadas (há uma de doces do Médio Oriente onde se pode ver fazer o tradicional bakdash booza, uma espécie de gelado elástico coberto de pistácio). Todos os hotéis de cinco estrelas têm restaurantes com o nível equivalente, e muitos deles com a assinatura de chefs internacionais. Um exemplo: o JW Marriott Marquis tem um restaurante japonês, um italiano, um tailandês, um indiano, uma steakhouse, um buffet de cozinhas do mundo (no Kitchen6, a não perder se se quiser ficar a conhecer um pouco de tudo numa só refeição), e um espaço francês, o La Farine, onde se pode assistir à montagem de elaboradíssimos bolos num atelier de pastelaria. Para os entusiastas de cozinha tailandesa, o The Thai Kitchen no Park Hyatt Dubai é uma excelente escolha — às sextas-feiras há um brunch.
Se a opção for (continuar a) comer muito bem, mas pagar significativamente menos, o melhor é explorar os muitos restaurantes de rua. O bairro indiano de Meena Bazar tem centenas de restaurantes, com destaque para o Sangeetha, perto do Hotel Astoria, perfeito para vegetarianos, e não só.
O que visitar
A não perder é a travessia do Dubai Creek num dos barcos-táxi tradicionais, os abra. Do outro lado encontram-se os souks do ouro e das especiarias, que também merecem uma visita. O Museu do Dubai é uma paragem importante para quem quiser conhecer um pouco melhor o que era a vida no emirado antes do boom económico. Outra zona a visitar é o bairro tradicional Al Fahidi, com as suas galerias e o que resta das tradicionais torres de vento que asseguravam frescura aos emiratis no tempo antes do ar condicionado. A zona da Alserkal Avenue, com as suas galerias, é uma antiga área industrial onde se instalou o “bairro das artes” do Dubai.