Mas desde que se deu o boom do emirado, as cozinhas do mundo, e sobretudo as da Índia, Paquistão e Médio Oriente, instalaram-se aqui. Hoje, no Dubai come-se o mundo inteiro à distância de meia dúzia de ruas. Nos restaurantes dos hotéis a qualidade é excelente, mas vale também muito a pena andar pelas ruas — e a melhor introdução é, sem dúvida, a que nos é dada pela Frying Pan Adventures. Comecemos então por aí.
A Índia num prato pela mão de Farida
Paramos no meio de uma rua do Meena Bazar, o bairro indiano no centro do Dubai antigo, segurando cada um numa ponta do enorme roti, o pão espalmado acabado de fazer por uns homens de barbas compridas e lenços enrolados à cabeça, numa pequena padaria mesmo ao nosso lado. Os padeiros, que continuam a amassar outros pães e a pô-los no forno enquanto nos lançam olhares divertidos, são afegãos, nós somos um grupo de jornalistas portugueses e suecos, e a nossa guia, Farida, é indiana, nascida no Dubai, e está neste momento a mostrar-nos como devemos espalhar a manteiga clarificada (o ghee indiano) sobre o pão, deitando-lhe depois açúcar de cana por cima, enrolando tudo num tubo e comendo. “Este é o sabor da minha infância”, diz, sorridente. “A minha mãe fazia-nos isto.”
Esta é uma das muitas paragens do percurso gastronómico indiano Little India on a Plate, organizado pela Frying Pan Adventures, empresa criada há dois anos por Farida Ahmed e pela sua irmã Arva para dar a conhecer um outro lado do Dubai. Durante quatro horas e meia esquecemos os arranha-céus espelhados e as extravagâncias dos sheiks das arábias e mergulhamos no Dubai indiano, percorrendo as ruas do Meena Bazar e olhando os saris nas montras. Os indianos representam, juntamente com os paquistaneses, perto de 70% da população do emirado, muitos deles, como os pais de Farida e Arva, chegaram já na década de 70 do século passado, e as filhas nasceram já aqui nos anos 80. No entanto, a maioria dos turistas nem sabe que existe o Meena Bazar. É isso que as duas irmãs estão a tentar mudar.
“Quando ainda não existiam os Emirados Árabes Unidos e os ingleses chamavam a esta região a Trucial Coast, muitos indianos mudaram-se para cá e instalaram-se em redor do Creek [o braço de água do Golfo Pérsico que entra pela terra dentro]. Aqui era o centro da cidade, e tornou-se o lar longe do lar para muitos indianos”, conta.
O entusiasmo de Farida é contagiante. Pequena, magra, tem uma energia inesgotável, enquanto nos leva pelas ruas, contando histórias que misturam a cultura e as tradições indianas com factos da vida dos indianos no Dubai, e fazendo-nos entrar em restaurantes e provar coisas que de outra forma nunca provaríamos — simplesmente porque não sabíamos que existiam.
É o que acontece logo na primeira paragem, o Rangoli, um restaurante do estado indiano do Gujarat (havemos de percorrer também o Punjab, o Rajastão, Maharashtra e Tamil Nadu), onde provamos chaat, comida de rua indiana, para comer com a mão e lamber os dedos. As pequenas bolas de massa estaladiça são furadas e recheadas com lentilhas e um chutney que pode ser mais doce ou mais picante e devem-se meter na boca de uma só vez. Farida vai dizendo os nomes: pani puri, bhel puri, dahi batata puri, mas aconselha-nos a não nos preocuparmos em tomar notas porque nos envia tudo depois por email.
Seguimos, então, despreocupados, até à pequena loja de esquina propriedade de um iraniano, onde compramos bondas (bolas de batata envolvidas em farinha de grão e fritas) e chamuças, que são uma novidade para os nossos companheiros suecos mas não para nós, o que serve de pretexto para Farida falar das influências mútuas das cozinhas portuguesas e indiana.
No restaurante Sangheetha invadimos a cozinha para ver como se fazem os medu vada (uma espécie de donuts feitos à mão com uma habilidade extraordinária) e outras deliciosas especialidades, exclusivamente vegetarianas, do estado de Tamil Nadu, no Sul da Índia. Tudo acompanhado por um café de Madras que exige também habilidade para se conseguir beber (não se preocupem, Farida ensina-nos e, com alguma sorte, conseguimos não entornar demasiado).
E assim seguimos, sem dar pela passagem do tempo, provando a Índia a cada nova paragem, passando do (muito) doce para o picante e ouvindo as histórias de Farida, enquanto tentamos, sem muito sucesso, decorar o nome de tudo o que comemos. No final, ficamos com a sensação de que o Dubai é um país muito mais rico e interessante do que imaginamos quando ficamos apenas na zona dos arranha-céus e centros comerciais, e de que há aqui muito mais para descobrir. E fica-nos a vontade de fazer outras rotas com as irmãs Ahmed — a começar pela “peregrinação gastronómica” pelo Médio Oriente, a segunda cozinha mais representada no Dubai a seguir à indiana.
Aprender cozinha tailandesa com a chef Supattra
Quando chegamos ao restaurante The Thai Kitchen, no hotel Park Hyatt, à beira da marina do Dubai, a primeira coisa que vemos é uma enorme taça cheia a transbordar de malaguetas vermelhas. Depois reparamos que há aventais e chapéus altos de cozinheiro à nossa espera. E, por fim, aparece-nos o sorriso aberto e caloroso de Supattra Boonsrang, a chef tailandesa que nos vai ensinar a fazer uma série de pratos neste workshop.
Começamos com o mais fácil: uma salada de bife grelhado com cebolas, chalotas, tomate, cogumelos, alho, malagueta, coentro, açúcar de palma, lima — e outros ingredientes cuja lista recebemos para podermos depois repetir em casa. Com a ajuda de outros cozinheiros, que nos evitam embaraços, a salada sai bem, com os sabores equilibrados, o picante, o doce, o ácido, e nós distraímo-nos a comê-la, até sermos chamados por Supattra para voltarmos ao trabalho. A chef avisa-nos para não comermos demasiado do primeiro prato, porque ainda faltam muitos.
E tem razão. Vamos aprender a fazer galinha galangal, seguindo atentamente as instruções para não errarmos na ordem dos ingredientes, depois enfrentamos um caril de pato assado (na verdade é mais Supattra que trabalha do que nós) e por fim avançamos para o enorme wok onde, no meio de um som que parece vir de uma forja, aprendemos a dominar a arte do fogo e, em poucos segundos, a cozinhar uma massa com ovos, camarões e vários outros ingredientes que lançamos à medida que as cozinheiras nos indicam, quase sem conseguirmos pensar. Mas a verdade é que no final fica óptimo, e nem percebemos bem como é que não deixámos queimar tudo.
É tempo de seguirmos para a sobremesa, que nos vai ser mostrada por outra chef. Usamos castanhas de água, que ganham cor e sabor num xarope de groselha, e que são servidas com leite de coco. Depois de tantos sabores fortes, é com esta sobremesa refrescante, que comemos na esplanada à beira da marina, que nos despedimos da Thai Kitchen, levando connosco um caderno de receitas que prometemos experimentar mal regressemos a casa.
Peixe e marisco em tons asiáticos no Four Seasons
Num emirado onde não param de inaugurar hotéis, a mais recente coqueluche é o Four Seasons Dubai at Jumeirah Beach que, ao contrário da maioria dos outros hotéis, não fica na Business Bay mas sim junto à praia, na muito apreciada área de Jumeirah.
Jantámos no Sea Fu, um dos restaurantes do resort dois meses depois da abertura. Naquele que é (ainda) o Inverno do Dubai, as noites ficam ligeiramente frescas, mas isso não impede um jantar no exterior. O chef Pierre Batusta é francês mas de origem vietnamita, e com formação na cozinha francesa clássica, que cruza aqui com sabores asiáticos. No Sea Fu trabalha, como o nome indica, sobretudo peixes e mariscos — e de forma excepcional.
O jantar começou com dim sum variados, de vieira, galinha, camarão, vegetais e pato. Seguiu-se uma tosta de “areia” de parmesão com tomate e vegetais e uma gelatina de manjericão, com um gelado de pimenta de Szechuan; e um carpaccio de robalo com abacate e alho negro. O prato principal foi um delicioso peixe-carvão do Pacífico com uma salada de papaia. E a sobremesa, criação do chef de pastelaria David Peduzzi, foi uma mousse de beterraba e coentros com gelado de framboesa e mousse de wasabi.
O Afternoon Tea no Burj Al Arab
Uma ida ao Burj Al Arab é quase uma peregrinação. Mas para entrar num luxuoso hotel de sete estrelas (uma classificação informal, dado que a categoria não existe oficialmente) é preciso ter uma reserva de um quarto ou em algum dos restaurantes. Nós tínhamos para um Afternoon Tea no Skyview Bar, no topo do hotel.
Mas, antes disso, há o hall de entrada. É aí, perante uma enorme escadaria-fonte, ladeada por escadas rolantes encostadas a paredes-aquário onde nadam peixes coloridos, que todos os que entram no hotel param, cabeças inclinadas para trás, ar de espanto, câmaras fotográficas em posição. É preciso encontrar o melhor ângulo para apanhar toda a cornucópia de kitsch, em brancos, dourados e azuis, que sobe para um estonteante ponto de fuga.
A toda a nossa volta, deixando-nos infinitamente pequenos lá em baixo, parecem dançar corredores e portas. Os turistas, dos sheiks de túnicas brancas às meninas de mini-mini-saia, passando pelos russos e os chineses lançando exclamações de aprovação, colocam-se em pose em frente à escadaria-fonte e registam a sua passagem por aqui. Subimos no elevador e, enquanto somos sugados em direcção ao céu, vemos o mar a afastar-se lá em baixo, a grande velocidade, e começamos a perceber mais claramente o desenho dos dois grandes projectos de ilhas artificiais: The Palm e The Wold.
Já instalados no Skyview Bar, é olhando para essas ilhas-desenhos criadas pelo homem no meio do mar que, à uma da tarde, iniciamos o nosso tão britânico afternnoon tea, com uma flute de champanhe, carnes frias, pequenas sanduíches onde não falta a de pepino, e requintados bolinhos.
Informações: www.fryingpanadventures.com
A Fugas viajou a convite da Emirates