Fugas - Viagens

  • Rita França
  • Rita França
  • Rita França
  • Rita França

O Paraíso na outra esquina

Por Patrícia Carvalho

O nome de uma rua pode defini-la? Se olhamos para ela e não vemos nas suas casas, negócios e árvores nada do que o nome que lhe deram prenuncia, devemos defender que ele está errado e é hora de mudar? Ou será que o nome já foi adequado e simplesmente deixou de ser? E se ainda não foi o nome certo, mas vier a ser, algures, no futuro?

É preciso respirar fundo. Esquecer que estamos a caminho da rua que apenas usamos como trajecto para chegar à via rápida e deixar para trás a cidade. Quem se lembraria de chamar Rua do Paraíso a tal sítio? A umas quantas centenas de metros sem nada de especialmente relevante, se exceptuarmos o edifício de esquina da Cooperativa do Povo Portuense, que foi a casa-mãe da Seiva Trupe e onde há muitos, mesmo muitos anos, assistimos a uma peça brasileira numa sala tão pequena que quase nos sentávamos ao colo do actor da telenovela do momento que estava mesmo ali, à nossa frente? Pode esse único edifício chegar para chamar Paraíso a este pedaço do Porto? Mas se ele nem sequer existia quando a rua nasceu... Será a proximidade da Igreja da Lapa, guardiã do coração de D. Pedro, e o cemitério que lhe é adjacente, a responsável por tal baptismo? Alguém com sentido de humor mais afiado do que o costume julgou ser boa ideia dar o nome de Paraíso à rua onde havia uma agência funerária e por onde terão passado, certamente, muitos cortejos fúnebres em direcção à Lapa? E hoje, que cruzamos a rua de uma ponta à outra, do Bonjardim até S. Brás, iremos encontrar ali algum vestígio desse paraíso anunciado?

A verdade é que não sabemos a origem do nome. Não parece fácil descobrir. A rua já existia quando passou a ser do Paraíso. Aberta em 1784, foi primeiro baptizada como Rua da Senhora da Lapa e informalmente chamada de Rua dos Ferreiros, até que a mudança ocorreu, algures no século XIX. É uma artéria pequena, hoje apenas com um sentido de trânsito, alguns estabelecimentos comerciais abertos, uma esquadra da PSP que anda há anos para ser encerrada, mas ainda mantém as portas abertas, e o elevador de acesso à estação de metro de Faria Guimarães (uma boa forma de sair deste Paraíso, se alguém achar que ele está, verdadeiramente, noutro lado qualquer).

Percorrê-la é ver o Porto tal como ele é em muitas das suas ruas e avenidas. Um espaço com edifícios devolutos, com negócios que morreram e casas que deixaram de acolher gente. O Paraíso não mora, de certeza, no edifício de vidros partidos e cortina rasgada a espreitar do interior, de onde parece ter voado, ficando esquecido no chão, o anúncio de cartão de uma imobiliária, anunciando “Vende-se”. Mas é também uma artéria com casas reabilitadas, que se anunciam na Internet, com fotografias tentadoras de interiores luminosos, clarabóias de vidro colorido, tectos em estuque e escadarias largas de madeira. E há aquela casa, aquela casa enorme e bem tratada, com uma árvore de folhas cor de fogo a espreitar do interior, anunciando um jardim que já invejamos mesmo sem o ter visto e onde pensamos que, sim, ali pode ser o paraíso de alguém.

É preciso respirar fundo. Caminhar devagar, apreciar cada fachada, descobrir as casas antigas de varandas de ferro e portas de madeira. Espreitar as mercearias, olhar de novo para o edifício de esquina da Cooperativa do Povo Portuense, inaugurado em 1931, estanhar aquele prédio com as janelas que fazem um ângulo esquisito, como se estivessem a fugir para o interior das casas, e perdermo-nos no azul daquela nova Ribeira Negra, que o colectivo RUA pintou, no ano passado, na fachada lateral do edifício da Churrasqueira Paraíso 1. Um mural lindo, com velhas e lobos, monstros (serão monstros?) e pássaros, que não está verdadeiramente no Paraíso, mas colado a uma das suas esquinas – por isso, é como se lhe pertencesse também. E admirarmos, com um misto de tristeza e esperança, os azulejos coloridos que anunciam a “Padaria Flor do Paraíso de Joaquim de Sousa Menezes”. Porque ela está fechada, mas o edifício também está à venda... Quem sabe não abre ali um novo negócio que volte a espalhar pela rua o cheiro a pão acabado de fazer?

--%>