À medida que nos aproximamos do fim da rua, do cruzamento com S. Brás e o Largo da Lapa, parece nascer o orgulho naquele nome cuja origem está por explicar. Os espaços comerciais que não quiseram deixar esquecer o Paraíso multiplicam-se. Ele é a pastelaria Estrela Doce do Paraíso, os restaurantes Churrasqueira Paraíso 1 e a Casa Paraíso 2, a tal padaria fechada, o Cabeleireiro Paraíso, a florista Flores Paraíso. É difícil resistir a um nome assim.
Mas, apesar de a rua já não me parecer tão impessoal e desprovida de graça, o que ela é hoje não chega para me convencer que o nome é bem merecido. Procuro razões que o justifiquem e deparo-me com a existência de um livro que se chama assim mesmo, A Rua do Paraíso, da escritora Zilda Cardoso, que ali passou a infância. Quero lê-lo, procuro-o em livrarias e alfarrabistas, mas ninguém o tem. Atrás do balcão os vendedores dizem-me que vai ser difícil, quase impossível. Desabafo o desalento e um amigo diz-me que não só tem o livro como também ele, em criança, foi morador do Paraíso.
E fala-me então de uma rua pejada de tílias altas, com “ilhas” operárias junto à Lapa e onde os carros (menos, muito menos do que hoje, na década de 1960) circulavam nos dois sentidos. Uma rua cheia de casas comerciais mas de um ainda mais vigoroso comércio de rua, com homens e mulheres a venderem, todos os dias, como numa feira ao ar livre, leite e pão, peixe e flores, legumes e hortaliças.
De como havia um polícia sinaleiro no cruzamento com a Rua de Camões que era, amiúde, vítima dos muitos acidentes nesta artéria movimentada, até que se colocaram ali semáforos, uns antigos, manuais, que se perderam no tempo. De como havia dois tascos, um frequentado pelos adeptos do FC Porto e outro pelos do rival Leixões, e como havia pancadaria tanto no fim dos jogos, que eram ouvidos em toda a rua pelos rádios com o volume no máximo, como sempre que alguns carros chocavam no cruzamento com a Rua de Camões – nunca era fácil saber quem era o culpado. De como havia um terreno, junto às “ilhas”, para onde se levavam cordeiros vindos do campo, para serem mortos ali mesmo, por altura do São João.
E de como o São João ali era uma festa em grande, com a rua fechada para os bailaricos. Falou-me do quiosque que existia na esquina de Camões, em frente à Cooperativa do Povo Portuense, que foi despejado para que ali nascesse um prédio, deixando os clientes infelizes, já que o dono entregava, pela manhã, aos compradores fiéis da rua, os três jornais da cidade – O Comércio do Porto, O Primeiro de Janeiro e o Jornal de Notícias -, aceitando a devolução de dois, um pouco mais tarde, e o pagamento de apenas um. De como foi ali perto que nasceu a que terá sido um dos primeiros bares de alterne da cidade, com o hilariante nome de Pinacoteca, e de como os polícias da 7.ª esquadra, a do Paraíso, foram os únicos que não se renderam aos capitães do 25 de Abril, caindo irremediavelmente em desgraça entre os moradores. Do Buick do dono da padaria (cuja esposa, a dona Carlota, era sócia do Leixões), da generosidade do pneumologista Azeredo Lobo, que dava consultas em casa, depois do trabalho no hospital, e a quem não faltavam clientes entre os operários pobres das “ilhas” da rua. E da dona Magnífica, a Magnífica do Paraíso, que foi durante anos a vendedora de frutas mais famosa da rua.