Pela aridez da charneca
Não sendo uma viatura com predicados todo-o-terreno por excelência, o Cross Country D2 de 115cv é carro para não se negar a praticamente nada e para não deixar alguém mal. Enquanto seguimos embalados pelo conforto e pelo fresquinho do ar condicionado (o sol não só acordou desinibido como passou o dia a ameaçar as peles mais sensíveis com uma queimadura ou outra), a charneca, com hectares a perder de vista de sobreiros e pinheiros, convida a que nos deixemos perder pelos seus trilhos. Algo muito difícil, uma vez que não só contávamos com um road book muito preciso como com uma série de sinalizações nos locais em que o caminho a seguir poderia ser menos óbvio. Mas nestas coisas até o que parece impossível acontece. E, volta e meia, lá ficávamos à frente de um carro cujo navegador mais distraído não dava com o desvio certo a tempo. Noutras vezes ficávamos nós para trás. Nada disto importa numa caravana em que o objectivo não é chegar primeiro mas saborear cada momento do caminho.
Por isso, nada mais apropriado que uma paragem na Adega Catapereiro, nome que muitos demoram a dizer correctamente (“E a quantidade de gente que nos sugere mudar de nome?”), mas que tem a sua origem nos pereiros-bravos (catapereiros) que abundavam na zona onde foi implantada a vinha. É de lá que chegam os frutos à adega que são transformados em vinhos únicos, como os Tyto Alba, criados sob a batuta do enólogo Bernardo Cabral, e que nos dão a provar antes de nos levarem a descobrir a adega. Pelo caminho explicam-nos a origem do curioso nome do vinho: trata-se da designação científica da coruja das torres, espécie que tem junto das vinhas um refúgio. Mais que o vinho, esta protecção aos passarinhos convence-nos e na loja da adega deixamos a garrafa mas não dispensamos a sua caixa, que foi concebida para se poder transformar num ninho para pequenas aves puderem descansar.
Não é apenas vinha, pinhal ou montado (trata-se da maior mancha contínua de montado de um único proprietário em Portugal com mais de 6500 hectares) que se encontram pela Companhia das Lezírias. A multiplicidade de cultivos é possível devido às terras ricas em água e minerais — inclusive na zona de charneca, em que os modernos sistemas de rega, alimentados pela barragem, permitem plantações a perder de vista de cereais, por exemplo. As com melhores condições agrícolas são arrendadas: cerca de 5500 hectares, referem. Nestes, a maior parte dedica-se ao cultivo do milho, cereal que progressivamente substituiu o trigo de outrora.
Há vida na lezíria
Os dourados do primeiro passeio realizado em Novembro deram lugar aos verdes luxuriantes e aos campos floridos que formam por esta altura extensos tapetes vermelhos, amarelos, lilases e brancos. Já a lama transformou-se em solo duro, e aqui e ali ouvem-se sons de animais animados pelo dia soalheiro que decidiu apadrinhar a iniciativa. A certa altura tem-se até o desafio de atravessar um pequeno leito de areia com algum aparato do lado exterior. A organização não arrisca nenhum atascanço e dá instruções de como lidar com o terreno árido: “Nunca levantes o pé do acelerador; dá o máximo! Continua a acelerar!”. Obstáculo superado. Talvez graças ao facto de já termos reposto as forças durante um farto almoço no Arneiro Pereiro.