As visitas são feitas em grupos mínimos de 25 pessoas — foi a fórmula encontrada pela Irmandade para garantir condições mínimas de rentabilidade, mas também de segurança, evitando franquear a subida a quem não tenha a experiência programada e se lembre de fazer um prolongamento da movida (que se concentra ali a dois passos, na zona das Galerias de Paris e Cândido dos Reis) a mais de 70 metros do nível do solo. Organizar um grupo é mais fácil do que parece — e as empresas de turismo estão aí para ajudar.
Uma rica igreja
A visita guiada começa com explicações detalhadas da importância que a Igreja e a Torre dos Clérigos (que foram construídas assim mesmo, por esta ordem) tiveram, e têm, na cidade. No interior da igreja, e enquanto olhamos para a sua estrutura elíptica que a torna única no país, ouvimos as explicações acerca das funções ocupadas por esta torre que fica afastada da igreja que lhe dá o nome, e de como ela serviu para orientar os navegadores à entrada da barra do Douro. Sim, que a Torre serviu quase de farol, apesar de estar fisicamente afastada do rio e do mar — não foi à toa que mereceu o epíteto de edifício mais alto de Portugal até há relativamente pouco tempo.
Foi por essa mesma circunstância que serviu de emissor de telégrafo e, mais curioso ainda, de relógio oficial da cidade, sem que ninguém precisasse de lhe olhar para os ponteiros. A meridiana, uma engenhoca composta por uma pistola que era accionada pela luz solar, disparava diariamente às 12h e dava sinal aos comerciantes que estava na hora de encerrar as portas. Essa meridiana é um dos objectos que será possível apreciar durante a visita ao museu, mas antes disso ainda vale a pena ficar pela igreja um bom bocado.
Os Clérigos são um ex-líbris da cidade mas também são um símbolo do barroco e da arquitectura que o italiano Nicolau Nasoni imprimiu na cidade. Não há pressas para apreciar a opulência da talha dourada, os pormenores talhados na pedra (o altar principal é ainda mais trabalhado, no estilo rococó), e a riqueza das “Misericórdias”, as cadeiras de encosto alto que estão junto ao altar principal e que servia para os irmãos “descansarem de pé” enquanto assistiam aos serviços religiosos, talhadas à mão na rica madeira de jacarandá. E fazer apostas sobre se um dos corpos encontrados na cripta, bem por debaixo do altar-mor, encontrados casualmente depois da intervenção, será ou não do arquitecto Nicolau Nasoni.
Depois da igreja, e ainda antes da subida à Torre, há três novos pisos a visitar. Depois de dois séculos sempre fechadas ao acesso do público, as áreas onde funcionaram residências e serviços administrativos ligados ao universo eclesiástico, como a enfermaria da irmandade, foram agora convertidos em espaços museológicos.
No primeiro piso, a exposição é dedicada à história da irmandade dos Clérigos e permite adivinhar como era gerida uma das mais importantes organizações portuenses do século XVIII. No grupo de visitantes havia um punhado de crianças, munidas da sua proverbial curiosidade e franqueza; e o elemento a que acharam mais piada foi à Sala da Burra, sendo que a Burra não era um animal, mas sim um impressionante e pesado cofre (em versão baú), datado de 1763 e que é dotado de três fechaduras. No século XVIII e XIX, para o abrir era obrigatório estarem três chaves a ser rodadas em simultâneo: uma pelo presidente da Irmandade, outra pelo vice-presidente e outra pelo secretário. Se os mais novos gostaram da Burra, nos mais velhos não houve quem não se impressionasse com a inusitada janela ao fundo da antiga “enfermaria”, que dá uma belíssima perspectiva para o interior da igreja, mesmo por detrás da imagem da padroeira que está no altar-mor.