Pode acontecer-lhe, por isso fique já com o aviso. Pode estar no Porto ou na Maia, sob um sol resplandecente e que a obriga a andar sem casaco quando ainda nem são 10h, pensar que está um belo dia para ir dar uns mergulhos à Piscina das Marés, em Leça da Palmeira, e descobrir que, por aqueles lados, o tempo é uma coisa completamente à parte. Pode ser que assim que entra no concelho de Matosinhos o sol desapareça sob um manto bem espesso de nevoeiro e que quando chegar às piscinas que são Monumento Nacional já só queira ficar enroscado sem tirar a roupa, porque está frio, carago.
Mas isso é se for mesmo muito, muito friorento. Porque depois de estar na Piscina das Marés há que ter coragem e enfrentar qualquer nevoeiro para dar, pelo menos, um mergulho naquele rectângulo límpido de água salgada, embalado pelo som do mar a bater nas rochas à sua volta. “A que horas é que o nevoeiro costuma levantar por aqui?”, pergunta-se na recepção. Do outro lado do balcão vem uma resposta bem-humorada: “À tarde, mas nessa altura levanta-se o vento. É o Norte.”
É o Norte ou é Leça da Palmeira, não sabemos bem. Só sabemos que, ao passarmos pelos acessos rectilíneos saídos das mãos do arquitecto Álvaro Siza, já ouvimos gargalhadas de crianças, que nevoeiro algum consegue abafar. A areia está ocupada por pessoas com pouca vontade de ficar em calções ou biquíni, mas na piscina maior (há outra apenas para crianças), os miúdos de uma escola viraram as costas ao frio e deliciam-se naquela água salgada que é bem mais quente do que a do mar ali ao lado e se oferece lisinha, sem perigo de ondas ou marés fortes.
Sob o olhar atento de um adulto, tomam como sua a parte mais baixa da piscina, onde a água lhes chega aos ombros, mas que não vai muito além da cintura de um adulto. Riem-se, saltam, mergulham e, depois, fazem tudo isto outra vez. Pouco depois das 10h30, contudo, são intimados a sair da água. É hora de irem lanchar e secar. Já não voltam.
É nessa altura que outras pessoas aproveitam para se abeirar da piscina. Gente que aguentou, estóica, a neblina a cair-lhe nos corpos, desfazendo-se em minúsculas gotículas de água. Vai o casal de namorados. Ele mergulha, decidido, ela estica-se, deixando o máximo do corpo fora de água, avisando que não aguenta, que está muito frio, que ele não se atreva a tocar-lhe, quanto mais a molhá-la. E desiste ou finge que desiste. Sai da piscina, vai ganhar coragem na areia e volta dali a pouco, para mergulhar, finalmente, e se deixar ficar, largos minutos.
Chegam duas adolescentes, muito morenas e a fingirem-se sem coragem para entrar. Abeiram-se das escadas e ficam ali, até que um rapaz que as acompanha, de ombros esfolados, as desafia, de dentro de água, no seu melhor sotaque tripeiro: “Fogo, a água dá-me pela cintura, estão à espera de quê?”. Elas não querem ser fáceis, soltam uma gargalhada, deixam-se ficar e são ultrapassadas por um bando de miúdas que surge do lado da piscina infantil.
A maior parte entra devagar na água, descendo a escada de acesso, mas uma, de caracóis compridos, atira para uma das amigas: “Ó Catarina, a água está boa?”. E, mal esperando pela resposta, salta, chapinando todos em redor.