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Pão português, amor marroquino, figo-da-índia. Vamos a Mértola

Por Rute Barbedo

Para quem cruza o Baixo Alentejo com o sono das pradarias, Mértola é um solavanco no bocejo. Sobe apertada até ao castelo, virada para o Guadiana. “Já foram do lado de lá do rio, ver a vista? De lá é que é bonito”, garante-se sobre a única vila-museu de Portugal. Fomos conhecer-lhe personagens.

A tecedeira
A viagem começa pela pedra, porque Mértola está coberta de ruínas. Na Alcáçova do Castelo (o maior núcleo museológico da vila), um possível fórum romano – que mostra mosaicos com motivos de caça, de vida animal ou padrões geométricos, e um criptopórtico de 30 metros de comprimento – convive com um pacato bairro islâmico, de arquitectura esquiva, a proteger os moradores dos olhares alheios. É o lugar onde os povos finalmente se pacificam, ainda que num outro tempo.

“Musealizar” e “reabilitar” são palavras que Lígia Rafael, historiadora e responsável pelo Turismo de Mértola, repete consistentemente na visita à capital islâmica do Alentejo (a cada dois anos, em Maio, Mértola recebe o Festival Islâmico, o maior evento cultural da vila). Mas se algum viajante menos atento desenfrear da boca a pergunta “Onde fica o museu?”, a resposta desdobra-se em 13 núcleos que começam numa ponta do centro histórico e vão até às periferias do concelho, constituindo um dos projectos mais inovadores da museologia nacional e formando um guia de visita imediato.

Há uma subida íngreme em pedra até à Igreja Matriz que outrora foi mesquita (e cujo altar ainda se mantém virado para Meca). Na esquina que ainda não começou a inclinar-se, fica o Posto de Informação Turística e, lá dentro, a Casa de Mértola. “Neste espaço vivia uma família de sete pessoas [duas ainda estão vivas]. Mostra o que era uma típica casa de Mértola, e também é alimentada de objectos [de caçarolas a candeeiros de petróleo] que foram sendo oferecidos pelos habitantes da vila”, conta Lígia, apontando para a pequenez do lugar e para “a pobreza” que aqui se vivia. Há a cozinha e o chão para comer. Ao fundo, o quarto, do tempo em que “os filhos dormiam num colchão, em baixo, e o chefe da família numa cama”, conforme ditavam as hierarquias.

O artesanato é muito, para passar o tempo e para a utilidade dos dias. No núcleo ao lado, a Oficina de Tecelagem, há um padrão geométrico que salta à vista. Todos eles têm nome e são parte do legado que Mértola partilha com o Norte de África. Pelas mãos da dona Helena, ficamos a conhecer o olho-de-perdiz e o montanhaque. Atestam os sabedores que não há lã tão macia quanto a das ovelhas merino e campaniça, autóctones da região, a mesma que Helena limpa sobre o colo, já sob a forma de manta, enquanto a testa transpira o calor do Baixo Alentejo. “A lã leva uma primeira lavagem com água quente, entre os 75 e os 80° C, é carmeada, azeitada, cardada, fiada, lavada novamente – por causa do azeite – e depois passamos à tecelagem”, explica a artesã, que aprendeu o ofício há 27 anos.

Aqui ainda se produzem mantas como há séculos acontecia no Alentejo e no Magrebe. Há um vídeo, aliás, a rodar no Núcleo de Arte Islâmica, que cruza imagens dos processos artesanais empregados em Mértola e em Chefchaouen, de quem a vila portuguesa é parceira cultural. Diferenças? Nenhumas ou muito poucas. Hoje uma manta destas continua a representar dois meses de trabalho e anos de aprendizagem, o que aumenta o valor ao produto final: o metro quadrado de montanhaque custa 192,75 euros.

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