Royal Botanic Gardens
Há uma névoa ténue enquanto atravessamos os terrenos do Royal Botanic Gardens, em Edimburgo, atrás do nosso guia, Max Coleman. Mas está bem melhor do que no dia anterior, quando aterrámos na cidade escocesa e a névoa era, de facto, um nevoeiro pesado que fazia do castelo de Edimburgo pouco mais do que uma presença de contornos fantasmagóricos na sua posição privilegiada sobre a cidade.
No jardim botânico, a névoa é uma presença persistente, mas leve, e quase não é notada porque o sentimento de todos é de gratidão, por não estar a chover, enquanto percorremos os caminhos ladeados por árvores e arbustos pintados de verde, amarelo, laranja e vermelho. O Outono instalou-se em todo o seu esplendor por ali.
Queremos parar para ver com mais atenção algumas destas árvores de cores fulgurantes e gostávamos de poder ficar mais um pouco a contemplar a impressionante sebe que parece um muro vivo, com aberturas que deixam ver do outro lado um corredor atapetado por folhas caídas, mas Max Coleman tem pressa. O tempo não é muito e ele tem uma missão: mostrar-nos as onze espécies botânicas que entram na preparação de um gin da Hendrick’s e que estão espalhadas pelo jardim.
A primeira paragem é junto à espécie mais importante para a produção da bebida (se ela não estiver presente, não é gin): um arbusto de zimbro. Pegamos nas bagas e podemos trincá-las, deixando que o sabor familiar se espalhe. Não há álcool, não há mais nada ali, mas é o gin que reconhecemos nesta experiência. Depois, entre caminhos ao ar livre ou na grande estufa do jardim — construída em 1858 e continua a ostentar o título de mais alta do Reino Unido — espreitamos as restantes dez espécies usadas durante a destilação de um Hendrick’s: cubeba (pimenta de Java), flor de sabugueiro, camomila, milefólio, coentro, raiz de angélica, casca de limão e de laranja, raiz de lírio e alcaravia (uma espécie de cominho).
E, aqui, pausa para introduzir um tema português na viagem. Max explica-nos que a cubeba foi “banida”, em 1650, pelo rei de Portugal, D. João IV, que procurava impor na Europa o gosto por outro tipo de pimenta. É que a cubeba era produzida na Indonésia, que não fazia parte das possessões lusas, e o monarca queria mesmo é que o Ocidente se apaixonasse pela pimenta produzida na Índia, sob o controlo nacional.
Edinburgh Curling Club
A imagem mais nítida que tínhamos do curling era um episódio dos Simpsons, em que Homer e Marge conseguem arrebatar a vitória para os Estados Unidos da América, num jogo muito atribulado dos Jogos Olímpicos de Inverno. No Edinburgh Curling Club, aos pés do campo de Murrayfield, a pista de gelo está repleta de mulheres de cabelos brancos, vestidas com polares idênticos. Elas fazem deslizar no gelo a pedra que é o centro de todas as atenções e depois perseguem-na, literalmente “varrendo” o gelo à sua frente quando é preciso dar um pouco mais de ímpeto à pedra para que esta chegue ao alvo.
A nossa percepção daquelas velhinhas simpáticas que atravessam o gelo como se nada fosse começa a alterar-se quando nos dizem que a pedra pesa 20 quilos. E muda ainda mais à medida que se vão repetindo os avisos sobre a agressividade do gelo. Ninguém quer cair ali, porque o gelo é agressivo e magoa a sério. Finalmente, já só nos resta a vergonha, quando, já em plena pista, percebemos que aquele movimento de braços, incitado pelo “varre, varre, varre” é mais cansativo do que imaginávamos. Viva as velhinhas poderosas do curling escocês!
E o que é que isto tudo tem a ver com a Hendrick’s? Pouco, mas é sempre possível arranjar uma (ténue) ligação: é que parte do granito usado no fabrico das pedras do jogo é proveniente de Alisa Craig, uma pequena ilha junto à costa da Escócia que, sim, se a neblina deixar, pode ser vista junto à destilaria onde é fabricado o gin.
Craigengillan Estate
Em Craigengillan temos pena do que não vimos. O que foi praticamente tudo… Chegámos noite cerrada, para jantar, e, apesar de nos falarem da beleza da propriedade (estabelecida no século XVI, mas que nos últimos anos tem estado a ser restaurada pelos novos proprietários), a escuridão que faz deste um dos melhores sítios da Escócia para observar as estrelas — e até foi construído ali um Observatória para isso — não nos deixa adivinhar seja o que for. Os nossos anfitriões da Hendrick’s vão-nos animando com a indicação de que esta é uma casa misteriosa, que podia ser usada como cenário de um filme de terror, mas nada de assustador acontece enquanto lá estamos. Muito pelo contrário.
Cenário privilegiado da marca de gin para receber alguns convidados, somos brindados com uma performance sobre Gin e Literatura e a prova de vários cocktails. Nem fantasmas nem ruídos estranhos, só algumas gargalhadas e aplausos no final.
Destilaria de Garvin
Última paragem da viagem e, na realidade, o verdadeiro motivo pelo qual estamos aqui — a visita à destilaria onde é fabricado o gin Hendrick’s. O “Palácio do Gin” é o território privilegiado da mestre destiladora Lesley Grace e é ela, com a sua longa trança prateada, que nos guia pelos seus domínios.
E os domínios da Hendrick’s são fantasticamente pequenos. Um pequeno edifício de tijolo vermelho, com ramos de zimbro desenhados nos vidros das portas, é o local de onde sai “cada gota de Hendrick’s que se encontra no mundo”, explica. Lá dentro, numa sala ampla, que parece tirada de um filme do século XIX, estão “os bebés” de Grace: dois alambiques antigos e um novo, do ano passado, que é a réplica exacta de um dos mais velhos.
O gin que aqui se fabrica só é o gin que aqui se fabrica se incluir o produto destilado pelos dois velhos alambiques; se esse produto incluir as onze espécies já referidas e se a tudo isto se juntar extracto de rosa da Bulgária e de pepino. Sim, pepino. Hendrick’s sem pepino não é Hendrick’s.
Apesar de o gin ter já séculos de história, nunca se pensara nesta combinação até Lesley Grace assumir o comando. E porquê rosas e pepino? “Porque são muito britânicos. Quando se pensa nesse conceito de britânico, o que nos ocorre são jardins de rosa e sanduícches de pepino”, diz. Será.
Lesley Grace explica, com um carinho e cuidado extraordinários, cada fase do processo que ocorre ali, na destilaria, e com o mesmo encanto infantil levanta a tampa de cada uma das caixas de madeira onde são armazenadas as espécies botânicas usadas no fabrico do gin. Esta poderá muito bem ser a última visita que ela orienta durante vários meses.
A destilaria, instalada no complexo mais amplo da William Grant & Sons (produtora do whisky Grant’s) vai estar fechada a qualquer visitante, pelo menos até Setembro de 2016, para se preparar, precisamente, para receber mais visitantes.
Até lá, o gin anda por aí, em bares de todo o mundo, o jardim botânico de Edimburgo está aberto e é possível passear pelos terrenos de Craigengillan, organizar lá uma festa ou alugar um dos dois chalés restaurados da propriedade. Ah!, e o curling, não se esqueça do curling. Arranje um grupo de amigos, leve roupa quente e sapatos rasos e atreva-se a experimentar. É só fazer deslizar a pedra e, depois, basicamente, varrer. Não se deixe intimidar pelas velhinhas.
Guia prático
Onde dormir
G&V Royal Mile Hotel
Hotel de cinco estrelas, com um toque muito contemporâneo, bem no centro de Edimburgo. Os preços começam nas 175 libras por noite (cerca de 250 euros).
1 George IV Bridge – Edimburgo
Tel.: +44 131 2206666
www.quorvuscollection.com/gandv-hotel-edinburgh
Trump Turnberry Resort
O milionário e candidato a candidato republicano norte-americano Donald Trump comprou a propriedade de Turnberry, com o seu campo de golfe, hotel, chalés e spa, e quer que o mundo saiba que vai “gastar milhões” para que o complexo fique ainda mais luxuoso, como se lê nos livros espalhados pelos quartos dos chalés. Mas a verdade é que parece difícil que a qualidade ainda possa melhorar. Pelo menos nos chalés, já que o hotel, alvo de uma intensa renovação, está fechado até ao final de Maio do próximo ano. O “renascimento” está marcado para 1 de Junho de 2016. Preço sob consulta.
Maidens Road – Turnberry
Tel.: + 44 1655 334 007
www.turnberry.co.uk
Onde comer
Timberyard
No centro de Edimburgo, um antigo armazém de madeira foi transformado num restaurante que é uma verdadeira ode às papilas gustativas de quem por lá passa. Produtos frescos, uma mistura de texturas a cada novo prato que chega e uma cozinha de porta aberta, onde se vai vendo a delicadeza e eficiência com que tudo é preparado são razões mais do que suficientes para experimentar este restaurante aberto em 2012, que não se tem cansado de arrebatar prémios. Dito isto, a experiência não sairá barata. Ao almoço, duas entradas, um prato e sobremesa podem ficar por 29 libras (41 euros), mas o preço sobe ainda mais ao jantar, com um menu de degustação de oito pratos a ascender às 70 libras (quase 100 euros). A carta de vinhos é extensíssima (de Portugal só há vinho do Porto) e o preço das bebidas deve ser acrescentado ao valor já referido. Aberto de terça-feira a sábado.
10 Lady Lawson St, Edimburgo
Tel.: +44 131 221 1222
www.timberyard.co
Ox and Finch
Contemporâneo, relaxado e com petiscos para partilhar. É assim que o Ox and Finch se define e a descrição assenta-lhe como uma luva. Aberto diariamente do meio-dia à meia-noite, oferece uma selecção de snacks, pratos vegetarianos, de carne ou mariscos. Experimentámos vários e gostámos de todos. Mas as batatas doces fritas são mesmo deliciosas e viciantes. Os preços começam nas 2,75 libras (3,90 euros), por um aperitivo e podem ir até às 9,5 libras (13,5 euros) para alguns pratos de carne e marisco.
20 Sauchiehall St., Glasgow
Tel.: +44 141 339 8627
Onde beber
Não faltam bares onde experimentar um gin ou outra bebida qualquer, mas gostamos muito do Panda& Sons, em Edimburgo. No exterior, o sinal indica que o espaço é uma barbearia e para chegar ao bar propriamente dito há que descer umas escadas e atravessar uma porta disfarçada de estante coberta de livros. Lá dentro, está toda a animação, num ambiente descontraído e requintado, com um ar de clandestinidade. Peça um cocktail de gin e saboreie as pipocas que lhe hão-de deixar na mesa, a acompanhá-lo. Procure-o no número 79, da Queen Street, em Edimburgo