Lindoso
Enterro do Pai Velho
As origens pagãs do carnaval estão à flor da pele no entrudo tradicional de Lindoso (Ponte da Barca), ritual que marca o final do Inverno e o início da Primavera, o fim da hibernação da natureza, o princípio do seu renascimento. Por isso se chama Enterro do Pai Velho, do Inverno, portanto — nos desfiles o carro (de bois) do Pai Velho é feito de ervas secas, com o “pai” , feito de palha e cabeça de madeira, sentado num banco ao centro, em oposição ao porvir, o carro das “ervas” com vegetação bem verde e até camélias. A aldeia, sempre com o castelo como cenário, enche-se do ruído das campainhas dos carros, acompanhado dos bombos, concertinas, ferrinhos e castanholas empunhados por foliões em disfarces tradicionais. O cruzeiro e os espigueiros são os locais centrais dos desfiles, que vão parando em vários pontos para bailaricos e as chamadas “partes” (brincadeiras organizadas ou pequenas sátiras), um no domingo outro na terça-feira, sempre de manhã. As tardes são preenchidas por arraiais e na terça-feira vêm também os “varredouros” para assustar os espíritos malévolos. O culminar das festividades é na noite da terça-feira com as cerimónias fúnebres do “Pai Velho”: missa improvisada, seguida da queima (com as carpideiras de serviço) e leitura do testamento, com muitos recados para as gentes da aldeia. A.M.P.
Lazarim
Diabos à solta
Em Lazarim, aldeia perto de Lamego ali nos contrafortes da serra de Montemuro, também se recua no tempo para um carnaval de diabos à solta. Ou não fossem o seu principal símbolo as máscaras, em madeira de amieiro, traços bem angulosos, quase sempre com cornos, podendo ter bigodes, barbas, língua de fora, queixos proeminentes. São estas máscaras que cobrem rostos e representam homens, os caretos, ou mulheres, as senhoritas, que estão omnipresentes pelas ruas de Lazarim de sábado a terça-feira — dia em que se lêem os testamentos da comadre e do compadre, que é como quem diz, dia em que todas as críticas acumuladas ao longo do ano (por eles e por elas) saem à praça pública em forma de lengalenga satírica. No final, os bonecos representando o casal de más-línguas são queimados (actualmente, os fantoches dançam e estoiram) e segue-se a última ceia carnavalesca com feijoada, caldo de farinha e petiscos tradicionais ao som de muita música. O programa deste ano arranca com a apresentação do livro Rituais com máscara (hoje), passa pelos inevitáveis desfile alegórico (amanhã, com grupos de bombos, de caretos locais e convidados) e cortejo do Entrudo (terça-feira), inclui uma caminhada à Alcaria de Mazes (segunda-feira) e o concurso de máscaras e caretos (terça-feira). Todos os dias serão dias de caretos à solta, barraquinhas e visitas aos artesãos (excepto domingo) — afinal, são estes que mantêm viva a tradição. A.M.P.
Cabanas de Viriato
Dança dos cus
Os cartazes que anunciam Cabanas de Viriato, aldeia de Carregal do Sal famosa por ser o berço de Aristides de Sousa Mendes, como “a capital do Carnaval” serão mais a expressão de um desejo do que da realidade. Contudo, se lhe chamassem a capital da “dança dos cus” dificilmente haveria contraditório. E, na realidade, Carnaval em Cabanas de Viriato equivale a “dança dos cus”, a sua tradição mais arreigada — e singular. Tudo começou no século XIX, quando actores de um grupo de teatro local saíram à rua ao som de valsa em contradança. A chamada “dança grande” acabou por evoluir para a “dança dos cus”: duas filas em dança que ao terceiro compasso viram-se para o centro para um encontrão de traseiros. Este desfile acontece na segunda e terça-feira, sempre ao som de valsas tocadas pela Filarmónica de Cabanas de Viriato. Ao longo de duas horas e meia, três horas, dependendo da adesão popular, mascarados, não mascarados e alguns cabeçudos percorrem as ruas da aldeia em folia quase cortês, apesar do nome. E embora esta dança seja o mais peculiar, este Carnaval não se reduz a ela. E começa uma semana mais cedo do que o normal: este ano, foi no dia 30 de Janeiro, com o também já tradicional Baile do Chapéu. Ontem houve noite de DJ e hoje há o jantar de Carnaval (quantos mais mascarados melhor) seguido de festa. Amanhã é dia de feira anual e de Carnaval para os mais pequeninos, com a noite reservada para o Baile da Fantasia. Segunda e terça-feira há, então, muita dança dos cus — e na segunda-feira há ainda a Noite da Loucura. Tudo “bom e barato”, anuncia a organização. A.M.P.
Famalicão
Uma rave party por toda a cidade
A primeira regra é ir fantasiado, a segunda é que não é para ver mas para participar, e a terceira é que não há regras para viver o Carnaval em Vila Nova de Famalicão. É assim, de forma livre e espontânea, que se vive a noite da próxima segunda-feira na cidade minhota e, por isso, se diz que é diferente de todos os outros.
Não há programa nem atracções, muito menos animadores, actores ou caras conhecidas das novelas ou televisões. Todos são intervenientes, desde que fantasiados e com espírito de folia. Dos avós aos mais novos, mas sobretudo jovens numa noite em que todos são jovens até às quatro ou cinco da manhã. Famílias inteiras, trupes e grupos mais ou menos organizados num movimento contagiante que enche ruas e praças ao longo da madrugada.
Uma espécie de caos criativo e contaminante, onde cada um faz o que lhe apetece e anda por onde lhe apetece, desafiando regras e convenções. Desta forma a cidade como que fica virada do avesso, do que é o melhor exemplo o que se passa com bares e cafés, que, também eles, saltam para a rua. Literalmente. Balcões, bebidas e barris de cerveja são colocados fora de portas, há sempre um DJ cujo ritmo e decibéis competem com o vizinho do lado ou da frente. É até normal que o DJ se instale na varanda, com focos coloridos, bola de cristal e tudo, acumulando-se a multidão fantasiada a danças no meio das ruas, nas quais fica difícil ou mesmo impossível transitar madrugada dentro.
O centro da cidade transforma-se, assim, numa espécie de descomunal discoteca, com ritmos diversos e toda a gente animada de copo na mão. Todos fantasiados, ninguém se conhece, todos se dão. É, pois, um Carnaval, inorgânico, de raiz urbana e contemporânea, mas cuja vivência remete para a tradição do Entrudo, com as pessoas mascaradas e despidas de preconceitos e convenções.
E, em boa verdade, foram os bares os culpados deste fenómeno que começou há pouco mais de uma década. No início, os da curta Rua de Camões, fechada ao trânsito. A clientela, exclusivamente jovem, começou a ir mascarada, o volume da música a subir e o pessoal a circular entre os bares que se alinham lado a lado ao longo da rua. Virou moda e cada vez chegava mais gente, que começou a ocupar a rua quando já não cabiam no interior.
A tolerância foi crescendo e, aos poucos, o movimento alastrou a toda a zona envolvente ao Parque da Juventude, onde ainda hoje se concentra o grosso dos bares e espaços mais animados. Não só no Carnaval mas também ao longo do ano nas noites de fim-de-semana.
A animação é agora geral e a folia não só contagia os locais como atrai cada vez mais visitantes. São muitos milhares os que se juntam a dançar, deambular, beber e conviver nas ruas do centro da cidade. Num ambiente e espírito jovem, descontraído e irreverente, que nesta noite contagia todas as idades.
Com o tempo e o crescimento do fenómeno, também a câmara e demais autoridades começaram a tomar o controlo da situação. A autarquia apoia, promove e divulga esta noite diferente e única, interdita ruas ao trânsito e fornece apoio logístico aos bares e cafés. Mal a manhã rompe, brigadas de limpeza tratam de recolher os despojos e limpar ruas por onde deambulam ainda muitos foliões e estão literalmente cobertas de copos, garrafas e adereços carnavalescos.
Também o corpo de polícia faz notar a sua presença, com o Corpo de Intervenção, para que tudo se mantenha na devida ordem, e até os bombeiros têm trabalho extra, transportando constantemente para as urgências hospitalares jovens que não são capazes de controlar a ingestão de álcool. É o espírito de Queima das Fitas numa noite que tem mais características de rave party generalizada.
Este ano, também a CP se junta à iniciativa, proporcionando bilhetes de ida e volta para Famalicão por dois euros, independentemente da origem, desde que integrada na rede de comboios urbanos. Também a rede de transportes urbanos do concelho vai ter carreiras especiais ao longo da noite e, para quem vem de fora utilizando viatura própria, o melhor é procurar estacionamento nos parques e ruas periféricas.
Para jantar, se ainda não reservou, o melhor é certificar-se antecipadamente que há lugar. Todos os restaurantes e casas de comida costumam esgotar com grande antecedência. A clientela vai toda mascarada. J.A.M.
Aldeia do Bispo
Carnaval taurino
Numa terra conhecida pela sua singular tradição tauromáquica — a capeia arraiana, uma tradição de algumas freguesias do Sabugal —, a Aldeia do Bispo não deixa passar o Carnaval sem ter touros à solta. Já faz parte do ADN das celebrações carnavalescas nesta aldeia a pouco mais de um quilómetro de Espanha — aliás, o seu Carnaval desperta grande curiosidade do lado de lá da fronteira. É que entre o domingueiro desfile carnavalesco pelas ruas, acompanhado, este ano, pelo Grupo de Concertinas da Sertã, e o baile de máscaras de segunda-feira à noite (com o grupo AF e prémios para os melhores mascarados), este Carnaval faz-se de garraiadas. O ritual começa domingo de manhã com a largada de touros (da Ganadaria José Manuel Duarte) que atravessam as ruas da aldeia acompanhados por cavaleiros e peões, até ao “encerro”; à tarde, faz-se a garraiada. Na terça-feira, e para encerrar as festas, nova garraiada.