É difícil entender e fazermo-nos entender, mas nem por isso deixamos de compreender a beleza caótica do mercado de flores de Banguecoque. Pak Klong Talat é o nome, emprestado do canal que corre quase ao lado, e fica bem perto de Wat Pho (o templo do buda reclinado), não longe do Grande Palácio.
Estes pergaminhos geográficos não significam que a vizinhança seja particularmente atractiva, mas tudo muda à vista da explosão de cores que tudo ilumina. Sobretudo para quem vai à noite — e mesmo para quem acaba de chegar de Chinatown que é uma festa de néones e um turbilhão de sentidos (mas estamos em Banguecoque e essa é a normalidade da capital tailandesa).
Não é estranho ir à noite ao mercado de flores de Banguecoque (ou a vários mercados aqui, como o “vizinho” mercado nocturno Saphan Phut, Ponte Memorial) e, na verdade, a nossa ida só peca por ser demasiado cedo. Ou demasiado tarde, depende da perspectiva: a hora de ponta começa às duas da manhã e prolonga-se até por volta das cinco. E, sim, este mercado está aberto 24 horas por dia.
A noite está chuvosa e a água imiscui-se pelos corredores estreitos e estreitíssimos que desenham o labirinto do Pak Klong Talad, bordado a flores.
Orquídeas, rosas, miosótis, lírios, cravos, crisântemos, gerberas, jasmins, flores de lótus, tulipas, delfinos, eustomas, bocas-de-lobos, calêndulas, cristas-de-galo, malmequeres, margaridas — a lista podia continuar, mas o nosso conhecimento floral é limitado.
De mil cores, de todas as cores, de muitos feitios, de muitas proveniências — há-as tailandesas, que chegam na maioria de províncias vizinhas, excepto as rosas (e que rosas!) que vêm do Norte, de Chiang Mai e Chiang Rai; e há-as estrangeiras; há-as exóticas aos olhos ocidentais; e exóticas aos olhos orientais.
E há-as para todos os gostos porque este é um mercado grossista — durante a madrugada muitas serão as motas, tuk-tuk e carrinhas a saírem daqui para distribuírem flores por floristas em toda a cidade, depois de elas serem descarregadas dos barcos e camiões —, que de modo algum desdenha dos clientes individuais.
A overdose de cores e de cheiros é imediata mal nos embrenhamos no labirinto que de vez em quando se abre em grandes espaços de armazenamento que vemos vazios. Parece que entramos num cenário em technicolor, saturado de tonalidades impossíveis (regressamos às fotos para ter a certeza de que os laranjas, azuis, rosas, lilases, amarelos — tanto amarelo! — que recordamos não são um exagero). Repetem-se, desdobram-se ao longo dos postos de venda (nunca se percebe bem onde termina um e começa o outro), envoltas em plásticos transparentes, brancos ou jornais, formando bouquets gigantescos: as flores são vendidas em grandes quantidades com o custo proporcionalmente inverso — por exemplo, 50 rosas custam 100 baht (qualquer coisa na órbita dos 2,50€), nas orquídeas (a maior exportação floral tailandesa) dois euros compram uma braçada. Sacos cheios de pétalas são uma tentação para mergulharmos as mãos de tão macios se antecipam, outras mãos, calejadas, manejam agulhas, com minúcia, ininterruptamente, a compor as famosas grinaldas, colares ou pendentes (phuang malai), com jasmim e calêndulas, sobretudo. Estes arranjos florais são omnipresentes na Tailândia, seja no tablier de um carro, por exemplo, seja nos milhares de templos, aos pés de estátuas de Buda e de deuses hindus. Têm várias formas, e, claro, várias funções — desde trazer boa sorte a um ritual cerimonial; podem ser oferecidos em aniversários ou casamentos.
O ar inebria com a mistura de perfumes inidentificáveis para leigos — por isso olhamos. Vemos o gelo que envolve algumas das flores para sobreviverem a temperaturas sufocantes (mesmo chovendo), ali está um marco de correio vermelho (duas ranhuras: “outros locais” e “Banguecoque”) quase engolido por ramos de tulipas: estes estão envoltos em jornais, mas as corolas estão envoltas numa rede; há quem durma nos bancos, há quem veja televisão, há quem coma a marmita e há quem cozinhe aqui mesmo. O maior mercado de flores frescas de Banguecoque (que também vende verduras e frutas) é uma réplica da vida — até quando transborda para as ruas vizinhas misturando-se com todo outro tipo de vendedores e transeuntes.