Fugas - Viagens

  • Adriano MIranda
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Ferreira de Castro, à sua imagem e semelhança

Olha para a floresta e avisa que por ali está uma árvore plantada pelo escritor que adorava a natureza. “Está ali um carvalho que plantou em 1940. Sempre que vinha cá, ia visitar o carvalho.” Chegava e ia dar uma volta à quinta. “E dizia ‘deixem-me estar aqui a meditar’.” A sua vontade era cumprida. Maria Manuela abre a porta que dá para uma pequena cozinha, depois a sala e dois quartos, um deles onde nasceu o escritor. Poucas divisões para tantas histórias. “Está tal e qual como era”, garante Maria Manuela, que chama a atenção para o par de sapatos e a mala com que o escritor pisou o mundo. Assim à vista desarmada, sem redomas de vidro, sem nada que trave o toque. Dentro de uma escrivaninha, o dicionário de capa vermelha de 1881 que levou para o Brasil e algumas fotos de antepassados ainda não identificados. Na cozinha, a louça da mãe. “Está tudo como era na infância dele, até está ali o barril que se usava naquela época para levar a água para o campo”, diz.

Maria Manuela foi escolhida por Ferreira de Castro para fazer de sua mãe num filme que contava a história da sua vida até à partida para o Brasil. Recorda-se de um homem introspectivo, pensativo, de cara fechada. “Não era uma pessoa alegre, tinha um ar triste. Era muito modesto, uma pessoa que não se gabava, tanto falava para um pobre esfarrapado como para um rico.” O ar tornou-se mais alegre depois do 25 de Abril. O escritor estava de regresso a Ossela e Maria Manuela viu-o diferente. “O dia em que o vi mais alegre foi na véspera de lhe dar o ataque.” Era 4 de Junho de 1974, no dia seguinte, na Pensão Suíça, em Macieira de Cambra, Vale de Cambra, onde passava grandes temporadas, o escritor sofre um acidente cardiovascular. Foi transportado para o Hospital de Santo António, no Porto, não recuperou e morreu a 29 de Junho. Foi enterrado em Sintra como era sua vontade.   

Terra doce, do coração

Com 12 anos, Ferreira de Castro partiu para o Brasil com lágrimas nos olhos e Margarida, o seu primeiro amor, no peito. A mãe despediu-se da janela com o adeus nas mãos. O pai tinha morrido há quatro anos. Do outro lado do Atlântico, trabalhou no seringal, passou fome, começou a escrever. Jornalista, escritor, homem das letras, viajou pelo mundo. Mas voltava sempre a Ossela, às raízes. Regressou a Portugal aos 21 anos e com 400 escudos no bolso. Passou algumas semanas com a família e partiu para Lisboa para tentar a sua sorte no jornalismo e nas letras, esteve doente com a morte à espreita algumas vezes, em 1958 foi convidado por um grupo de democratas para se candidatar à Presidência da República, e declinou o convite por sentir não ter capacidades para tal cargo. Em 1969, Jorge Amado propôs o seu nome para candidato ao Prémio Nobel da Literatura, aos 75 anos foi homenageado na Sociedade de Belas Artes de Lisboa.   

Aos seis anos, Ferreira de Castro entrou na escola primária de Ossela que faz parte do roteiro literário. Aluno brilhante, apaixonado por Margarida, a jovem de 17 anos que via passar da janela da escola e a quem escrevia cartas de amor. Envergonhado, metido com os seus botões. “Era de Inverno. Ia de chancas, friorento, enroupadito. Creio que foi a minha mãe quem me acompanhou até meio caminho. Não me recordo bem. Mas lembro-me, nitidamente, da minha entrada na escola. Lá estava, ao fundo, à secretária, instalada sobre um estrado, o professor Portela. Era gordo e de carne muito branca e fofa”, recorda nas suas memórias puxadas agora para este roteiro. “Sentei-me em uma carteira e, não tendo coragem de levantar os olhos, fixei-os no abecedário, que crescia e se deformava constantemente. Nesses primeiros dias, a minha única distracção era seguir as moscas que passeavam no sujo rebordo do tinteiro.” Era o melhor aluno que ansiosamente esperava ver o seu nome escrito no jornal da vila. Nunca apareceu, apenas os nomes dos filhos dos homens ricos da terra. Ficou destroçado. “Era como se não tivesse ido à escola, como não tivesse feito o exame, como se não existisse!”, escreveu.

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