Um rouge de Meknès
De Oujda a Tiznit, de Tânger a Marraquexe, de Meknès a Sidi Ifni, todas as cidades de Marrocos são únicas, cada uma se mostra vestida de uma ou outra peculiaridade arquitectónica, topográfica, cénica, cultural. E em muitas delas a integração de património arquitectónico em espaços urbanos renovados ou submetidos à experiência de palimpsestos, geração após geração, é uma constante. Esse aspecto coincide, aliás, com um dos critérios que sustenta a inscrição de Rabat — de certas parcelas e de alguns monumentos — na lista da UNESCO. O urbanismo da capital marroquina concilia um planeamento modernista com a integração de heranças monumentais históricas e arquitectónicas. As realizações arquitectónicas e urbanísticas surgem, aliás, destacadas na fundamentação da UNESCO para a eleição de Rabat em 2012 como Património Mundial: “A cidade nova representa um dos maiores e mais ambiciosos projectos do século XX em África, provavelmente o mais completo”.
Para o viajante que acabe de desembarcar de comboio, chegado de Casablanca ou de Tânger, na central Gare Rabat Ville, o cenário que logo ali se ilumina (vai fiel o verbo, dada a claríssima luz) revela excelentes vestígios dos sucessos históricos daquela que será uma das mais agradáveis das cidades do Magrebe — Rabat aparecia no início deste ano como a segunda cidade da região em termos de qualidade de vida, logo atrás da capital tunisina (116.º e 113.º lugar, respectivamente).
A Avenida Mohamed V é um eixo estendido até à muralha da Medina, bordejado por uma esplêndida plêiade de edifícios coloniais, boa parte deles preservando feições modernistas e muitos pormenores decorativos de traço art déco. É a face europeia da cidade, mas um olhar mais atento facilmente descortina elementos árabes, a tentação da geometria, as varandas delicadamente bordadas com mouriscas minúcias que fazem pensar no legado do Al-Andaluz. Rabat, cidade que tem fundas raízes no século XII, preferida para capital pela dinastia almóada, foi um principado que herdou memórias históricas andaluzas. Sublinha a UNESCO, precisamente, que a apropriação de todos esses sinais no planeamento urbano conduziu a uma preciosa síntese em que confluem elementos culturais diversos, islâmicos, hispano-magrebinos e europeus.
No caminho para a Medina, que se pode fazer em certos trechos sob a sombra de arcadas, há edifícios administrativos de volumetria disciplinada, em ambos os lados da avenida, hotéis, jardins, fiadas de palmeiras e largos passeios. No horizonte, minaretes de mesquitas e a branca cúpula da catedral cristã de São Pedro, lá para os lados da Place Al Joulane.
Nas margens da Avenida Mohamed V, e a cinco minutos da Medina, estende-se a cidade nova, planeada e materializada no início do século XX, entre 1912 e 1930, quando Marrocos se tornou um protectorado francês. É uma área não muito extensa, que alastra para leste, quase até ao rio Bou Regreg, cuja malha se tece com algumas grandes avenidas, a Abdelmoumen, a Moulay Rachid, a Alaouiyin, a Patrice Lumumba, a Yacoub al Mansour, a Avenida de Argel, a Franklin Roosevelt. Numa rede de ruas de nomes evocativos da história e da geografia de Marrocos, do Magreb e do norte de África — Tunes, Agadir, Tripoli, Beni Mellal, Tânger, Tafraoute, Azrou, Ifrane, Tetoua — percorremos passeios povoados por muitas lojas de pequeno comércio, mercearias, lojas de roupa e cafés, alguns grandes hotéis e, principalmente, habitados por uma espécie de nonchalance, uma descontracção que dificilmente diríamos poder sobreviver numa capital.