E por ali se pode ainda dar com toda a sorte de vendedores hábeis no verbo e no sorriso, e alguns deles até bem a jeito, como os discretamente sentados à saída dos restaurantes ou onde calha, que destas lógicas ficará sempre o forasteiro ignorante, a mercar cigarros avulsos que tão por bem vêm quando uma tagine nos sobe ao coração ou queremos saborear melhor a maresia e o panorama lá em cima, no fortim almóada do Kasbah des Oudaias, as vistas da foz do Bou Regreg, o Atlântico, os barquinhos dos pescadores, Salé na outra margem, as agulhas dos minaretes das mesquitas a tentar chegar ao céu e, imitando-as, os pares de namorados liberalmente indiferentes à paisagem.
Para lá chegar não deixámos apenas para trás a cidade nova, os Jardins Andaluzes, a velha mesquita do século XII, a Medina e o seu rumor incessante de vida; atravessámos também o pequeno labirinto de ruelas do Kasbah des Oudaias, onde a claridade, ofuscante como em toda a cidade, é filha das núpcias entre o branco do casario e a luz meridional e atlântica, porventura nada diferente da que Delacroix pintou (com a desesperança de ser capaz de o fazer, confessou) nos seus oitenta quadros africanos.
O artista fez o seu périplo marroquino, em 1832, entre Tânger e Meknès, não desceu a Rabat, é verdade, foram outras as medinas e as gentes que fixou nos esboços e nas telas. Mas o que rabiscou no seu cahier de voyage, ao lado dos esquissos etnográficos, podia ter sido inspirado nesta inebriante correnteza de imagens que nos rodeia, da Medina ao Kasbah des Oudaias, nesta cidade que é feita, também, de luz: “É um lugar criado para os pintores, um lugar onde o belo está em toda a parte… onde o belo se passeia pelas ruas… sinto-me entontecido com tudo o que vi… sinto-me neste momento como um homem que sonha… a vida nestes países meridionais é tonificada pela sensação de prazer do ar e da luz…”.
Ritmos sem fronteiras
Marrocos tem seus festivais de música e de dança e entre eles o muito prestigiado Musiques Sacrés du Monde, que acontece em Fez e cuja 22.ª edição termina justamente este fim-de-semana. Já o Festival Mawazine Rythmes du Monde, que se desenrola em Rabat, é um acontecimento um pouco mais jovem — a primeira edição ocorreu em 2002. Começou por ser um festival exclusivamente dedicado às chamadas “músicas do mundo” e acabou por se converter num projecto mais abrangente, com o objectivo de captar públicos mais indiferenciados. Procurando manter o princípio da prioridade à divulgação das tradições musicais do planeta, este festival “plural” pretende também promover a criatividade e estimular as relações entre tradição e modernidade.
Na programação deste ano, cujos concertos se vão realizar entre os próximos dias 20 e 28, em vários espaços de Rabat e da vizinha Salé, constam estrelas locais e nomes conhecidos do panorama pop internacional, como Christina Aguilera e Chris Brown. Para os aficionados de mestiçagens musicais, o programa alinha um impressivo rol de nomes de primeiríssima água, quase todos consagrados já nos circuitos da world music e do jazz: Bombino (Níger), Natacha Atlas (Bélgica/ Egipto), Rokia Traoré (Mali), a Orchestre National de Barbès (França/ Argélia/ Marrocos), Alma de Tango (Argentina), Les musicians du Cairo (Egipto), Kakushin Nishihara e Gaspar Claus (Japão/ França), Marcus Miller (EUA), Ernest Ranglin (Jamaica), Houria Aïchi (Argélia), Safwane Bahlawane (Síria), Mokhtar Samba (Marrocos/ França), Qawwali Flamenco (Paquistão/ Espanha), Majid Bekkas, Ines Bacán e Pedro Soler (Marrocos / França / Espanha) e Omar Sosa & Friends (Cuba), entre outros.