Fugas - Viagens

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Rabat, uma claríssima luz atlântica

O metro de superfície, inaugurado há meia dúzia de anos, liga esta zona com a Torre Hassan e o mausoléu do monarca antecessor de Mohamed VI, e, mais adiante, com a entrada da Medina, prolongando depois a sua rota até ao pólo universitário de Madinat Al Irfane, a sul da capital. Mais ou menos a meio, pense-se em desembarcar junto à porta de Bab er-Rouha para apreciar a amplíssima artéria que ali mesmo se inicia, a Avenida an-Nasr, riscada ao modo dos Champs Élysées e rodeada por folgados passeios e um muito estimável arvoredo apelativo a caminhadas sob a protecção da sua densa sombra. Ficou apresentado o tramway, útil para quem se enfade de palmilhar cidades e, também, para excursões até ao outro lado do rio, até Salé, povoado mais modesto, mas depositário de uma singular medina e de uma incomparável vista sobre Rabat e o Kasbah des Oudaias.

Mas o metro de superfície pode dispensar-se, todavia: no núcleo central da ville nouvelle de Rabat as distâncias são tão breves quão aprazíveis os ritmos, os cenários e a hospitalidade das gentes. E para se repousar das canseiras dos tantos caminhares que a capital solicita, não faltam “gaulesas” pastelarias, onde, além dos batidos de fruta tropical, se encadeia doçaria da antiga metrópole com sabores magrebinos em saborosas invenções.

Mais ainda, para quem suponha a modernidade apenas com certas vestes e ao cosmopolitismo queira atribuir hábitos que se presume serem apenas de outras paragens: em alguns bares, e não só de hotéis frequentados pela burguesia local (como o Balima, na Mohamed V), se pode degustar uma cerveja, ter à mesa um rouge da comarca de Méknès (Appellation d’origine contrôlée Coteaux de l’Atlas, eis uma escolha possível) ou outra beberragem do género. A tradução é que unicamente apetrechados de alta dose de provincianismo nos poderemos admirar do “fenómeno”.

Não se poderá entender aqui, também, e sem ser necessário fazer o pino, um pedaço daquela herança cosmopolita, que alguns mantêm o costume de caracterizar como de “tolerância”, do antigo Al-Andaluz?

O prazer do ar e da luz

É fácil ceder à ligeireza do lugar-comum, a do salto no tempo atravessando uma rua, uma muralha, uma avenida — no caso, a Hassan II, por onde circula o “futurista” tramway de Rabat e que separa fisicamente a ville nouvelle da Medina, constituinte, também, da área classificada pela UNESCO. A modernidade, tal como os seus antecessores ritos, acha-se tanto fora como dentro da Medina, estampada ou oculta na miríade de imagens que se oferecem ao olhar em trânsito do viajante. Que se haverá de pensar à conta dos jardins de feição andaluza que povoam a cidade — como o Nouzhat Hassan — ou da pitoresca exibição de peças de picante lingerie, penduradas à sombra dos toldos da velha Medina, a três, quatro passos da almádena de uma pequena mesquita?

O velho bairro árabe, muralhado, não é muito diferente de outros seus congéneres marroquinos: um punhado de ruas e ruelas e becos, muito menos labiríntico que o de Fez, de feição mais recente mas com souks igualmente povoados de grande animação. Por todo o lado há rios de gente num vaivém sem fim, por todo o lado se negoceia quase tudo, ou apenas um pouco menos do que isso, mas ainda assim — e como escreveriam os espantados viajantes quinhentistas — obra de mil ou mais mercadorias, e entre elas, em generosa abundância e variedade, legumes e verduras e frutas e roupas e doces e frutos secos e pistachos e tâmaras e amêndoas e panos de todas as cores e artesanato em couro e babuchas garridas e acomodáveis a todos pés e tambores e qraquebs e darboukas e peças de cerâmica de Safi e montinhos rigorosamente piramidais de azeitonas de variados temperos e cores e tamanhos.

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