Dizem-nos que aquela massa enorme de água é um rio e ficamos a olhar. Um rio assim, sem margens visíveis do outro lado, um oceano — para nós é um oceano. Um oceano onde as baleias vão comer, onde o vento nos gela e as águas se agitam em ondas pequenas e nervosas. Mas é só um rio, garantem-nos. E espreitamos o mapa e temos que acreditar que sim. Afinal, é só um rio. E isto é o Canadá. Um país suficientemente grande para que os rios pareçam mares. Para o Luc brincar e apontar outra massa de água que se vê da janela do autocarro e perguntar: “Que oceano é este? O Atlântico ou o Pacífico?”. E ficamos calados, porque agora estamos bem no interior do país, ali às portas de Toronto, e sabemos que não pode estar ali um oceano, mas há quem arrisque um nome e o Luc, o nosso guia, ri-se, satisfeito. “É o lago Ontário, não é o oceano!”. Estamos no Canadá, onde até os lagos podem ser confundidos com mares. Deixem-nos cá ficar só mais um bocadinho.
É o segundo maior país do mundo, logo a seguir à Rússia, e isso nota-se. Alguém nos tinha dito antes de partirmos que “no Canadá tudo é grande” e só podemos dizer que sim, é verdade. Mas ali grande não significa impessoal, frio ou distante. De Montreal à bela cidade do Quebeque, passando pela capital Otava ou pela desenvolvida Toronto, deparamo-nos sempre com cidades onde nos imaginamos a viver. Com jardins e parques bem tratados, onde é tão provável encontrar esquilos a saltitar como um guaxinim a espreitar à noite. Cidades com tantos quilómetros de ciclovias que nos sentimos corar de vergonha com aquilo a que, por cá, vamos dando o mesmo nome. Locais onde há — literalmente — pessoas de todas as cores, mas onde, pelo menos à superfície, não se sentem tensões, e onde, se fazemos uma festa a um cão, podemos receber de volta um sorriso e um agradecimento: “Obrigada por ter parado para cumprimentar o meu cão.”
Outras coisas que vos podem acontecer no Canadá: estar em Otava, a apreciar o Canal Rideau e as suas eclusas — uma maravilha da engenharia, com 202 quilómetros, construído em 1832 e classificado como Património da Humanidade pela UNESCO em 2007 — e ficarem a ver, distraídos, o passeio de uma pata com seis patinhos a segui-la. Até que percebem que alguma coisa não está bem, porque afinal aquilo não é bem um passeio, as eclusas estão fechadas e a pata está aflita porque não consegue tirar os filhos da secção em que ficaram presos. Depois compreendem que há mais pessoas que já se aperceberam que aquela família está com problemas, e não falta quem deite mãos à obra para tentar resolver o problema. O que também vos pode acontecer é sairem dali, desconsolados, porque nada se resolveu. Regressam mais tarde, quando o sol já se pôs, só para verificar se os pobres dos patos ainda estão presos e descobrem que alguém conseguiu colocar um tronco a fazer de rampa até ao topo das portas da eclusa, preso com uma corda, e que toda a família descobriu a forma de trepar por ali acima e está agora a dormir, sossegada, até que seja dia e possa seguir caminho, sem mais pressões.
E já que estamos em Otava, podemos continuar por lá. Até porque Otava, a capital do país, coloca-nos exactamente entre a província do Quebeque, tradicionalmente mais ligada à França e onde o francês ainda é a primeira língua, e a província de Ontário, inglesa, o motor económico do país, com Toronto a erguer-se bem acima de qualquer outra cidade canadiana, em termos económicos e arquitectónicos, com arranha-céus que continuam a crescer como cogumelos.
Quando chegamos a Otava ainda não estamos em Otava, mas em Gatineau, a cidade irmã, do outro lado do rio Otava. Gatineau ainda está na província do Quebeque. Cruzamos a ponte e entramos em Ontário. Mas do lado de cá da ponte, ainda em terras quebequenses, está o Museu da História Canadiana. Se puder, explore-o, mas se não tiver tempo, admire pelo menos as formas arredondadas idealizadas pelo arquitecto Douglas Cardinal e procure encontrar na fachada principal a cabeça de águia que é, afinal, toda a estrutura de acesso ao interior. E dê mesmo um salto lá dentro para espreitar, pelo menos, a Grande Galeria, com o seu tecto a fazer lembrar uma canoa índia e onde está a maior colecção de totens do mundo — sim, aqueles pilares altos de cores vibrantes, esculpidos com rostos humanos e de animais, são originais.
Antes de cruzar a ponte, vá às traseiras do museu e contemple Otava. À sua espera está uma da mais belas vistas da cidade, com os edifícios neogóticos da Colina do Parlamento a recortarem-se no horizonte, o Canal Rideau à sua esquerda e o verde a delinear as margens do rio. É ali que muito do que acontece no país se decide. E é ali, em Otava, a cidade que a rainha Victória escolheu para ser a capital do território, em 1857 (e que continuaria capital do país independente a partir de 1867), que o carismático primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, de apenas 44 anos, eleito pelo Partido Liberal, gere o destino do país desde 2015.
Ele tem uma tatuagem, admitiu fumar erva e foi ao aeroporto receber pessoalmente alguns dos 25 mil refugiados sírios a quem abriu as portas do país. Além disso, pode aparecer na Internet a responder a questões rápidas e, quando lhe perguntam qual o primeiro poema que lhe vem à mente, citar em perfeito francês um conjunto de estrofes (o que, fiquem já a saber, é importante para muitos canadianos).
Acreditem ou não, Trudeau faz tudo isto sob o olhar simbólico e não intrusivo da rainha Isabel II — o Canadá é uma monarquia constitucional federal e o seu chefe de Estado, ainda que de forma puramente simbólica, é a rainha de Inglaterra. E mesmo que a parte francesa do país possa não achar muita piada a isto, a verdade é que até hoje a situação não se alterou e um dos locais onde pode querer passar algum tempo a relaxar em Otava é, precisamente, o enorme jardim de Rideau Hall, a casa do governador-geral do país, ou seja, o representante da rainha no Canadá.
E se, repentinamente, tiver a estranha sensação que está em Londres e não consegue perceber muito bem porquê, dizemos-lhe já que a culpa é da Torre da Paz, no conjunto dos edifícios neogóticos da Colina do Parlamento, que tem uma semelhança impressionante com o Big Ben. A torre, com quase 98 metros de altura, é também a estrutura mais alta da cidade e nenhum edifício pode ultrapassá-la em dimensão.
Por isso, apesar de alguns edifícios bem altos e espelhados, Otava não chega a ser uma cidade de verdadeiros arranha-céus. Com vários museus espalhados pelo centro, cerca de cem quilómetros de ciclovias e um percurso livre de carros junto ao rio, que convida a caminhadas, corridas, ou um simples passeio, a capital do Canadá é uma cidade simpática e que nos deixa com vontade de a conhecer noutras estações do ano.
No Inverno, o Canal Rideau gela e transforma-se na maior pista de patinagem a céu aberto do mundo. E na Primavera o Festival das Tulipas cobre a cidade destas flores coloridas. E porquê tulipas? A tradição remonta à II Guerra Mundial e ao facto de a família real holandesa se ter refugiado em Otava, durante a ocupação nazi da Holanda. A rainha Júlia estava grávida e a princesa Margarida nasceria num hospital da capital do Canadá. Para permitir que a futura monarca tivesse nacionalidade holandesa, o Governo canadiano transformou temporariamente a parte do hospital onde ela nasceu em território holandês. Para agradecer este facto, e também a participação canadiana na libertação da Holanda, a família real ofereceu 100 mil bolbos de tulipa à cidade, e continua a enviar anualmente cerca de 20 mil bolbos. A data do festival do próximo ano já está marcada, por isso, se é fã destas flores vai querer andar por Otava entre 12 e 22 de Maio de 2017.
É claro que o Verão também é uma óptima altura para estar em Otava. O verde cobre parte da cidade e não faltam locais para passear ao ar livre, andar de barco, de bicicleta ou simplesmente relaxar. Além disso, tal como acontece em muitas outras cidades, os festivais ao ar livre tomam conta das praças e tanto pode encontrar concertos gratuitos como — sim, aconteceu-nos — um festival de churrasco, na Rua Sparks. Vá para a fila, escolha a costela que mais o cative (vai ser difícil porque quase todos os locais têm vários troféus expostos para o tentar) e depois aceite um dos convites das esplanadas da rua para se sentar, comer a sua escolha do dia e beber ali uma cerveja.
Se não for fã da carne grelhada com o molho adocicado ao estilo americano, não faltam ofertas nos restaurantes da cidade. Em alternativa, pode ir ao Mercado Byward, onde diariamente há dezenas de barracas de produtores com uma grande variedade de frutas e legumes frescos, além de outros produtos locais. O edifício do mercado, em tijolo vermelho, é de meados do século XIX, e à volta há vários restaurantes, lojas de design e alguns bares.
E agora, se não se importam, voltemos ao Quebeque só por um bocadinho.
Uma vila francesa
Há coisas que é bom saber sobre o Canadá. Que é uma monarquia constitucional federal. Que a federação é composta por dez províncias (andamos por duas, Quebeque e Ontário) e três territórios. Que é o segundo maior país do mundo e tem seis fusos horários. Que tem dois milhões de lagos, um milhão dos quais apenas na província do Quebeque. Que tem duas línguas oficiais, o inglês e o francês. Que partilha com os Estados Unidos da América a maior fronteira terrestre do mundo. Que os canadianos apreciam não ser confundidos com os seus vizinhos do sul. Que, de vez em quando, se discute a independência do Quebeque. Que os quebequenses falam francês, mas também inglês e que há quem tema — como Luc Lavoie, o nosso guia — que a segunda língua absorva cada vez mais a primeira e, qualquer dia, o francês se perca.
Que os carros contam histórias, porque trazem frases nas matrículas que podem ser mais do que mensagens inócuas: se a escolha da província de Ontário (Yours to Discover, algo como Sua para Descobrir) pode ser só um convite, e até está muitas vezes coberta por uma moldura colocada pelos proprietários dos veículos, no Quebeque é raro não se ler, de forma bem visível, a frase Je me souviens (Eu recordo-me).
Luc conta que Je me souviens apareceu pela primeira vez sobre a porta do Parlamento do Quebeque, no brasão da província, mas sem que o arquitecto Eugène-Étienne Taché explicasse exactamente o que queria dizer. As interpretações são, por isso, variadas. Podia ser apenas uma forma de se referir às figuras históricas representadas pelas estátuas da fachada. Mas podia ser também — e esta é a interpretação que parece mais comum — uma referência às raízes francesas da cidade e do território. “Eu lembro-me que nasci com o lis, mas cresci com a rosa” é a frase que Luc cita e que foi utilizada por uma neta de Taché para justificar o significado da mensagem do avô, numa referência às flores-símbolo das duas nações ligadas ao Quebeque, a França (flor-de-lis) e a Inglaterra (rosa), que ao longo dos séculos combateram pelo controlo da província.
No final, a cidade e todo o território ficariam sob o domínio britânico, antes da independência, mas a França está ainda cravada no dia-a-dia da província e, muito particularmente, na Cidade do Quebeque, cujo centro histórico é também Património da Humanidade, desde 1985. E não é só a UNESCO a dizê-lo, ao inscrever no marco que assinala a entrada da cidade velha na lista dos bens a ser preservados pelo mundo, que ela é “o berço da civilização francesa na América”. Passear pelo centro histórico da Cidade do Quebeque é como estar numa vila francesa. As ruas, as casas de pedra cinza, os telhados com janelas a espreitar nas águas-furtadas, as floreiras nas varandas, a igreja de Nossa Senhora da Vitória, na Place Royale, servem para perdermos momentaneamente a noção do lado do Atlântico em que nos encontramos.
Podíamos dizer para se limitar a passear pelas ruelas da cidade velha que não se arrependeria, mas há mais para ver do que as ruas bem tratadas e cheias de igrejas, casas antigas e lojas coloridas que se estendem, colina abaixo, até ao rio St. Lawrence (o tal que, lá longe, fora da cidade, se agiganta, parecendo mesmo o mar).
Há, por exemplo, a muralha de quase cinco quilómetros, que permite que a cidade possa anunciar-se como a única muralhada da América do Norte; há a Citadela, o maior forte da mesma zona do mundo; o parque dos Campos de Batalha, onde nos apetecia mesmo, mesmo juntarmo-nos a todas as famílias que por lá estavam a apreciar um demorado piquenique; há a animada zona da St-Jean-Baptiste, com a pedonal Rua de St-Jean a oferecer uma grande variedade de bares e restaurantes. E há, no topo da colina, aquele que é comummente referido como o hotel mais fotografado do mundo. E até é bem provável que parte das pessoas não saiba que está a fotografar um hotel, porque o Le Château Frontenac, construído em 1893 pela Canadian Pacific Railway, a par com outros, para integrar uma cadeia de hotéis de luxo, parece mesmo um palácio de contos de fadas.
Diz a história que o célebre “Dia D”, do Desembarque na Normandia, que mudaria definitivamente a história da II Guerra Mundial, foi planeado aqui, pelo primeiro-ministro canadiano MacKenzie King, o britânico Winston Churchill e o presidente norte-americano Franklin Roosevelt.
Se tiver tempo, a Cidade do Quebeque pode ser também um ponto de partida para algumas visitas fora da cidade. Como um passeio de um dia, através da Costa de Beaupré, pelas montanhas, até à baía de Ste-Catherine, perto de Tadoussac, para ir ver as baleias.
O nome “Quebeque” nasceu de uma palavra dos índios algonquinos que significa “onde o rio estreita”. E, de facto, na cidade, o rio St. Lawrence tem cara de rio — e um rio onde, pela primeira vez este ano, depois de décadas de proibição, será possível voltar a nadar — mas a cerca de 200 quilómetros de distância, onde ele se encontra com o rio Saguenay e o seu fiorde, o St. Lawrence parece um mar imenso de águas cinzentas e frias.
Baleia à vista
E nesse mar que não o é há baleias. Dezenas, centenas delas. Reúnem-se ali para se alimentarem, fazendo as delícias de quem anseia por poder vê-las pela primeira vez. Entre Maio e Novembro, mas sobretudo de Agosto a Outubro, há por ali várias espécies, incluindo a baleia-azul.
Queríamos ir vê-las num Zodiac, mas o vento não ajudou e os botes pneumáticos que não levam mais de 12 pessoas não se fizeram ao rio. A opção que sobrava era um dos grandes barcos de turismo, com capacidade para 600 pessoas, e que naquele dia estava cheio de crianças entusiasmadas com a possibilidade de verem as baleias.
Depois de uma rápida incursão no fiorde do rio Saguenay, o barco já navegava há algum tempo sem qualquer indicação de que estávamos mais perto de ver os cetáceos. Pescoços esticados, olhos no horizonte daquele rio-mar, alguns binóculos colados ao rosto e nada. Mas, de repente, sem aviso, uma baleia vem à superfície mesmo junto ao barco. Quem estava colado à amurada daquele lado tinha sorrisos rasgados de orelha a orelha. Foi só o início de um bailado que durou longos minutos, com várias baleias a deixarem-se ver entre o ondular das águas. Foi também a baleia que mais se aproximou do barco.
A partir dali, uma guia ia anunciando pelo microfone para onde devíamos olhar, em busca do repuxo que indicava a presença de uma ou mais baleias (havia grupos de três ou pares a nadar lado a lado), na antecipação do momento em que elas estavam à superfície para respirar, antes de voltarem a mergulhar.
É preciso deixar um aviso. As baleias vão ali para comer, não para fazer a corte ou brincar, por isso não é muito provável que as vejam dar saltos na água ou a erguer as suas caudas tão características em recortes perfeitos contra o céu, como acontece noutras regiões do planeta. O mais provável é que veja os seus repuxos, um pouco do dorso quando cruzam a superfície antes de mergulhar. Mas há sempre a hipótese de uma baleia mais animada satisfazer os visitantes com um salto acrobático (sim, aconteceu) ou de vir espreitar quem são os intrusos nas suas águas. E, mesmo que assim não seja, como se percebia facilmente pelos gritinhos de entusiasmo que se ouviam por todo o barco, baleias são baleias, são criaturas magníficas, quase míticas, e ter o privilégio de as ver no seu habitat natural, mesmo que só uma parte delas, pode encantar até o mais desprevenido.
Uma estância suíça
As baleias são apenas uma das maravilhas que a natureza tem para oferecer no Canadá. A viagem não nos levou a parques naturais, mas andar nas ruas do país é estar em contacto permanente com a presença de animais selvagens. Parte do trajecto entre a Cidade do Quebeque e a Baía de Ste-Catherine é feita ao longo de uma gigantesca vedação de arame, que procura manter os alces fora da estrada e dos terríveis acidentes que a sua presença pode causar, com consequências mortíferas para humanos e o animal. Na via rápida que circunda Toronto, recentemente inaugurada, há corços na berma da estrada, que seguimos com os olhos, felizes por os ver, preocupados por temermos que eles possam escolher o caminho errado e entrar na estrada, em vez de voltarem para o verde que a rodeia. Mas em nenhum dos sítios onde fomos nos sentimos tão embrenhados na natureza como no caminho para Mont-Tremblant.
Seguimos no autocarro, cada vez mais rodeados de verde, com árvores de folhagem densa a estenderem-se até perder de vista e não conseguimos deixar de pensar como tudo isto deve ser deslumbrante no Outono. Como deve ser bonito passear por ali com as copas das árvores pintadas de amarelo, laranja e vermelho. Ao microfone do autocarro, Luc prefere falar do Inverno, de como tudo isto é bonito quando se cobre de neve. E ele tem razão. Também deve ser. Além disso, Mont-Tremblant é uma espécie de cidade de faz-de-conta, uma estância de esqui feita à medida de uma estância suíça e plantada junto à montanha para receber os amantes dos desportos de Inverno. Que também se enche no Verão, diga-se, porque há trilhos, lagos e até o concurso do Homem-de-Ferro (Ironman) da América do Norte se desenrola aqui.
Na minúscula cidade feita à medida do turismo, onde os carros não entram, há lojas, hotéis e restaurantes em edifícios coloridos impecavelmente tratados. Lá em cima, onde o teleférico pára, há uma paisagem que o pode absorver durante muito tempo. A cidade fica ao fundo, aninhada no verde, e os lagos estendem-se à sua volta. Um esquilo atravessa-se no nosso caminho, escuro e grande, antes de desaparecer na parede de rocha onde estão colocadas lápides em memória de montanhistas que morreram. Podíamos sentar-nos numa pedra e ficar ali, só a olhar a paisagem, durante horas a fio. Mas isso era se alguém nos tivesse avisado que era preciso levar repelente. Porque lá em cima há verdadeiros bandos de moscas minúsculas que não lhe vão dar descanso. Sem que se aperceba vai estar rodeado por elas o que, além de ser irritante, pode deixar algumas mazelas. Por isso, já sabe: para poder apreciar convenientemente a razão que o levou ali, cubra-se e use repelente. A natureza também tem destas coisas.
Toronto à espera
Há cidades que têm a capacidade de nos pôr a duvidar daquilo que achamos que sabemos sobre nós próprios. Por exemplo: acreditarmos que somos uma pessoa de sítios pequenos, que gostamos de aldeias sossegadas mais do que de cidades grandes e movimentadas. E, depois, chegamos a Toronto, a segunda cidade com maior concentração de arranha-céus da América do Norte, logo a seguir a Nova Iorque, e afinal descobrimos que não é bem assim. Que nos sentimos bem ali, que se pudéssemos escolher, de todos os locais que visitámos, era provavelmente ali que queríamos ficar mais tempo. A caminhar entre os altos edifícios envidraçados, a descobrir os seus vários bairros, a conhecer os museus (não tivemos tempo de ver um que fosse).
Do topo da Torre CN é bem visível a dimensão de Toronto, onde, como diz Luc, cada regresso traz a hipótese de descobrir um edifício novo, tal é a dinâmica da construção na cidade. Mas nas ruas o peso de se estar na maior cidade do Canadá, uma metrópole com seis milhões de habitantes, não se sente verdadeiramente. O que se sente é uma harmonia curiosa, numa cidade profundamente heterogénea, em que um em cada dois habitantes é imigrante ou descendente de imigrantes.
Ao final de um dia de trabalho, o centro financeiro está cheio de gente que regressa a casa, enchendo as ruas de uma agitação típica das grandes cidades. Mas na Nathan Philips Square (NPS) há grupos sorridentes a deixarem-se fotografar junto ao nome da cidade, escrito em letras gigantes e coloridas, pessoas a ouvir música e a comer gelados ou quem pare para apreciar o edifício da Câmara Municipal, construído em 1965, pelo arquitecto finlandês Viljo Revell, e que provavelmente lhe fará lembrar o trabalho que Oscar Niemeyer fez em Brasília, a capital brasileira.
À noite, dê um salto à Praça Dundas, uma “mini-Times Square”, como a descreve Luc, referindo-se à animada e iluminada praça nova-iorquina. Na Dundas não faltam, de facto, ecrãs animados por todo o lado, mas há muito mais para o entreter. Há um palco (parece haver palcos em todas as cidades canadianas oferecendo animação no Verão) onde uma banda embala o público ao som de música reggae — e uma velha oriental dançando, mais do que ninguém, sozinha e indiferente ao que a rodeia. Há uma mistura feliz de gente de todas as cores e idades a conviver. Há um Hard Rock Café na esquina, à porta do qual se vai alinhando, ruidosamente, uma verdadeira montra de Harleys e outras potentes máquinas de duas rodas. Há calor e cerveja e um ambiente descontraído, artistas de rua e gente que está só a passar um bom bocado. Saia dali e caminhe em qualquer direcção e vai encontrar restaurantes e bares para se entreter durante muito tempo.
Toronto, já dissemos, tem muitos museus. E tem ilhas e até uma zona de praia. Mas não tivemos tempo para ir conhecer qualquer uma destas atracções. No sábado, o último dia no Canadá, seguimos o conselho do nosso guia e caminhamos até ao distrito conhecido como Destilaria.
Atravessar o distrito financeiro numa manhã de sábado é percorrer uma cidade deitada à preguiça depois de uma semana de trabalho. De bicicleta ou a pé, com um cão pela trela ou a empurrar um carrinho de bebé, os habitantes de Toronto parecem não ter pressa, enquanto caminham à sombra dos altos edifícios espelhados. No Mercado St. Lawrence, um belíssimo edifício restaurado de 1845, vende-se de tudo (até pastéis de nata) e se quer apetrechar-se com iguarias para o almoço, bem pode fazê-lo aqui.
Mas, se vai continuar até à Destilaria, talvez não valha a pena. Os antigos armazéns de tijolo vermelho, que em 1832 foram construídos para o que chegou a ser a maior destilaria do império britânico — a Gooderham & Worts — foram restaurados e estão hoje transformados em restaurantes, galerias de arte e lojas alternativas. Depois de espreitarmos várias ementas, escolhemos um pátio mexicano para almoçar (tínhamos experimentado um restaurante vietnamita na noite anterior) e juntamo-nos aos ocupantes animados do espaço amplo.
Está calor, temos uma mesa à sombra e a comida é boa. Daqui não se vêem arranha-céus. É Verão e quem nos rodeia troca conversas animadas. Como se o amanhã não importasse. Como se a segunda-feira não existisse. Como se não houvesse um avião à nossa espera para nos levar de volta para casa. Não vamos pensar nisso agora. Porque o ceviche está mesmo bom, os molhos para os nachos também e, sinceramente, está-se mesmo bem aqui.
MAIS
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INFORMAÇÂO
Como ir
A Fugas viajou a convite de Agência Abreu, que tem um programa de nove dias, com saída de Lisboa, visitando Montreal, a Cidade do Quebeque, Mont-Tremblant, Otava, Mil Ilhas, Niágara e Toronto. Os preços começam nos 1600 euros.Com excepção do pequeno-almoço, o programa não inclui refeições, mas ser-lhe-á oferecida a oportunidade de adquirir um pacote com alguns almoços que pode querer aproveitar. À saída de Montreal, por exemplo, a opção é almoçar numa “cabana de açúcar” (Chez Dany), onde poderá descobrir um pouco mais sobre o xarope de ácer e experimentá-lo, transformado num gelado, depois de este repousar, literalmente, numa cama de gelo. Em Niágara, poderá usufruir de uma vista de pássaro, na Torre Skylon, enquanto vai escolhendo o que quer do buffett variado. O programa não inclui excursões facultativas (como a visita de um dia às baleias ou, em alternativa, um passeio de meio-dia à Costa de Beaupré), a subida no teleférico em Mont-Tremblant nem a subida à Torre CN, em Toronto. Em Niágara pode também optar por fazer uma curta viagem de helicóptero sobre as cataratas.
Vistos
Não é necessário visto para o Canadá, mas vai precisar de ter uma autorização de entrada no país (ETA), que pode ser obtida online em www.cic.gc.ca. Precisa de ter um passaporte com uma validade mínima de seis meses e um cartão de crédito para pagar os custos do documento (sete dólares canadianos). Se não houver qualquer problema, deverá receber a ETA no seu email no mesmo dia em que a solicita. Só tem que a imprimir e, por segurança, levá-la consigo, junto ao passaporte, porque podem solicitá-la.
A Fugas viajou a convite da Agência Abreu