Há andorinhas de Rafael Bordalo Pinheiro na parede, uma carta de vinhos com 400 ofertas (quase todas portuguesas), peixe que chega directamente de Portugal e um chef serrano, que, depois de passar por vários restaurantes em território nacional, andou emigrado pelos Estados Unidos dois anos, antes de assumir a cozinha do Café Ferreira, em Montreal.
Com 20 anos de existência, este não é mais um restaurante português no estrangeiro. O Café Ferreira descreve-se como “o local para comer peixe fresco em Montreal” e o espaço “com maior oferta de vinho do Porto no Canadá”.
É sugerido em guias prestigiados como o Lonely Planet e recebe pontuações altíssimas em sites de avaliação turística. E é tudo verdade, graças a uma outra peça que o café tem e de que ainda não falámos — o seu dono, Carlos Ferreira.
Oriundo de Estarreja, Carlos Ferreira, hoje com 60 anos, chegou ao Canadá com apenas 19. O pai foi visitar um irmão que para ali tinha emigrado e gostou tanto que decidiu mudar-se com toda a família. “Eu nunca tinha entrado num restaurante”, conta o proprietário do Café Ferreira à Fugas, mas o Canadá mudou-lhe a vida.
Ainda exerceu a profissão que levava da terra — a de soldador — mas procurava trabalho em restaurantes em part-time, à noite. Passou por uma pastelaria belga, e foi ali que começou a fazer entregas. “E eu nem carta tinha”, conta, a rir-se. Quando os patrões expandiram o negócio, abrindo uma cervejaria, ele recebeu novas responsabilidades, mais entregas para fazer. O negócio, literalmente, “abriu-lhe todas as portas”, recorda.
E na altura de avançar com um negócio próprio pensou primeiro numa padaria, inspirado por um artigo do New York Times, que falava de uma velha padaria escondida por um muro durante a II Guerra Mundial e que tinha renascido graças a um português. “Queria fazer pão a lenha”, diz.
Acabou, afinal, por abrir um restaurante. Apostou nos produtos portugueses. Levou os nossos vinhos à boca de cada canadiano que se sentava para comer. Bacalhau, polvo, sardinhas, chouriço ou azeitonas passam pelas mãos do chef João Dias, numa cozinha aberta, onde os clientes vêem tudo o que se passa.
Há quem pague 500 dólares canadianos por uma garrafa de bom vinho português. E Carlos, entretanto, também já investiu nessa área — comprou terra no Douro e produz vinho e azeite para consumo do restaurante.
Em Montreal, a sua casa de há décadas, Carlos Ferreira leva-nos primeiro ao Mont Royal, um dos pulmões verdes da cidade, com uma vista ampla sobre a cidade e casarões milionários no caminho. Mas não é ali que mora. A sua zona é a Ilha de Notre-Dame, construída com pedra e terra retiradas para a construção de metro. É aí que está o circuito de Fórmula 1 Gilles Villeneuve, que fora dos dias da corrida é zona de baixas velocidades, percorrida sobretudo por ciclistas e patinadores.
A casa de Carlos é logo ali, não muito longe, num complexo icónico de Montreal, o Habitat 67 — um conjunto de blocos assimétricos construído durante a Expo de 1967 pelo arquitecto israelo-canadiano Moshe Safdie. Carlos recorda-se de passar ali, nos anos 1970, recentemente chegado de Portugal, de estar numas escadas que hoje revisita e pensar: “Se eu um dia for rico vou ter uma casa aqui.”