Nem toda esta gente vem de automóvel, ou não estivéssemos na Holanda. Há ciclovias que dão acesso, desde Roterdão e de outras paragens, a Kinderdijk e não falta gente a pedalar continuamente por estas paisagens planas – estes caminhos fazem parte, aliás, de rotas mais extensas integradas na enorme rede de ciclovias da Holanda e o roteiro local passa por uma séries de aldeias, totalizando sessenta quilómetros de caminhos traçados entre os pólderes. Há também quem chegue a Kinderdijk de waterbus, navegando através do canal que segue para Dordrecht, uma muito antiga e aprazível cidade da Zelândia.
O Centro de Visitas de Kinderdijk, situado numa antiga estação de bombagem a vapor, está quase sempre cheio de forasteiros - mas apenas uma pequena parte parece interessada em assistir ao audiovisual sobre o local. Afinal, para quem se lança numa visita a uma espécie de grande museu ao ar livre, "perder tempo" com o visionamento de (mais) um audiovisual numa era de massificação da imagem e de tecnologias de informação ressoa a bizarro. Os moinhos transformados em espaços museológicos parecem mais apelativos - e são, efectivamente, ainda que uma parte dos visitantes opte pela visita (livre) dos espaços exteriores, ao longo dos caminhos que marginam pólderes e canais.
A banda sonora de Kinderdijk
A última das famílias que habitavam os moinhos partiu nos anos 50 do século passado. Do lado de dentro do moinho-museu de Nederwaard e através da janela vemos o mesmo cenário que os seus habitantes avistavam em manhãs de fina neblina soltando-se do pólder. Está tudo, oficialmente, como deixaram: o quarto e a cama-alcova, os utensílios domésticos em esmalte, uma lamparina de metal pardo, delida pelo uso, fotografias a preto e branco, o relógio de parede com os ponteiros cansados.
O zénite da visita é, naturalmente, a estrutura mecânica do moinho, que se mantém inteiramente funcional: estando o vento de feição vemos e ouvimos todo o maquinismo original em marcha, eixos e rodas dentadas gemendo os mesmos gemidos de há décadas, de há quase três séculos. O som não é aqui apenas um suplemento de realidade, como era a música no tempo do cinema mudo. Este ruído áspero e cavo das peças da geringonça movendo-se, o girar das pás e a melodia do vento nas velas, lá fora, são elementos narrativos de pleno direito, assim como a banda sonora dos filmes de Jacques Tati, contando também um pedaço da história de Kinderdijk. Para completar a atmosfera retro, em vários pontos do interior do moinho são projectados constantemente breves clips documentais que retratam o seu funcionamento e a vida quotidiana de outros tempos em Kinderdijk.
Um pouco mais adiante, do outro lado da curva do canal, ao cabo de uma caminhada de vinte minutos, entramos noutro moinho metamorfoseado em museu, o Blokweer, uma construção do início do século XIX que se supõe estar assente sobre a estrutura de um moinho do século XVI. Aqui os propósitos didácticos são mais assumidos, com abundantes explicações sobre como funciona(va) todo o sistema de Kinderdijk, quer através de filmes, quer através da observação directa do sistema mecânico.