Fugas - Viagens

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Há uma voz na noite a chamar-nos para a serra

O fim do convento levou à dispersão dos frades mas o edifício foi poupado e há poucos anos recuperado num esforço conjunto da Diocese de Beja (proprietária da igreja) e do município de Almodôvar (ao qual pertence o resto do convento).

No dia em que José António Falcão, director do Terras Sem Sombra, nos conduz numa visita guiada, o órgão, construído na época joanina numa oficina de Hamburgo, na Alemanha, e que é uma das peças mais emblemáticas da igreja, não pode ser visto porque está em restauro. Mas observamos a curiosa peça que o suporta, toda decorada com delicados desenhos que representam uma China imaginária, evocando a evangelização franciscana no Oriente.

Estava na moda na época este uso da chinoiserie para a decoração, mas o que é interessante é que, apesar da aparência chinesa dada pelas roupas das personagens, a cena representada é completamente ocidental, com uma igreja e um campanário, uma ponte, um poço e, no meio de tudo isto, um pagode. Espera-se agora que o regresso do órgão restaurado dê um novo fôlego ao projecto de fazer renascer a escola de música que no passado existiu em Almodôvar.

José António Falcão explica que, apesar de os franciscanos serem muito austeros e isso reflectir-se no exterior do edifício, o interior da igreja “tem uma riqueza decorativa surpreendente, o que é muito característico do Alentejo”. Vemos uma profusão de anjinhos ou rapazes, a suportar colunas, por entre conchas e aves do paraíso que comem uvas e flores. Curiosa é a presença, no altar, de uma porta pintada na parede. “É uma porta fingida, muito característica do barroco”, nota Falcão. Mas não é apenas um truque, transporta um aviso: o que julgamos que é verdadeiro e real pode não o ser e há outra existência, mais real, que nos pode escapar se não estivermos atentos.

Uma terra de sapateiros

Muito real foi, contudo, a presença dos sapateiros em Almodôvar. Esta ficou mesmo conhecida como terra de sapateiros e hoje quer recordar esse papel importante que teve, desde o final do século XIX, no fabrico do calçado artesanal em Portugal. A antiga cadeia foi transformada no museu Severo Portela e neste existe um pequeno núcleo dedicado à história do ofício de sapateiro, com os instrumentos de trabalho e uma colecção que mostra a grande variedade de sapatos ali criados, desde as botas de trabalho ao calçado mais sofisticado para os domingos de descanso.

Chegaram a existir em Almodôvar cerca de 200 sapateiros em actividade e por todo o lado havia pequenas lojas e oficinas onde homens de várias gerações desenvolviam a sua arte. A Rota Turística da Memória e do Calçado Artesanal recupera um pouco dessa história, identificando cada uma dessas oficinas e lembrando o nome dos que nelas trabalhavam, num percurso que pode ser feito pelo centro histórico de Almodôvar.

Para terminar, subimos até à serra do Caldeirão, que aqui tem o Pico do Mú, com 577 metros de altitude. A acção dedicada à biodiversidade pela organização do Terras Sem Sombra teve como tema, em Almodôvar, a regeneração da serra destruída pelo grande incêndio de 2004. Apesar da chuva, um grupo de pessoas sobiu até à zona conhecida como Monte do Jogo da Bola para, nos terrenos do senhor Manuel Guerreiro, ajudar a plantar sobreiros e medronheiros.

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