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Uma “Noite Estrelada” a caminho da “aldeia de Van Gogh”

Por Andreia Marques Pereira

Há um “Caminho Noite Estrelada” entre Eindhoven e Nuenen.

O nome vem da obra de Van Gogh Noite Estrelada, que não foi pintada nesta região mas um ano depois de ele a ter trocado pela Provença. O ideal, claro, é percorrê-lo quando o dia já se despediu: milhares de pedras cintilantes de cor (absorvem a luz durante o dia para emiti-la à noite) reproduzem fragmentos do quadro ao longo de 600 metros da ciclovia que une Eindhoven e Nuenen, onde Van Gogh passou alguns anos da sua vida e onde pintou a sua primeira obra-prima, Os comedores de batatas. Não percorremos a ciclovia até Nuenen (parte da Ciclovia Van Gogh que une vários locais ligados ao pintor no Brabante do Norte) porque o frio nos assusta, mas são apenas cinco quilómetros de distância entre a cidade da luz e a “aldeia de Van Gogh”, como é conhecida Nuenen.

O centro desta “aldeia de Van Gogh” é o museu Vincentre, mas não espere encontrar alguma obra do pintor aqui — “a segurança seria muito cara” para este museu que funciona à base de voluntariado mas que, no entanto, viu o seu trabalho reconhecido pelo Museu Van Gogh de Amesterdão, que este ano vai ter um bilhete combinado que inclui a vinda a Neunen. O que Nuenen tem de especial é que ainda se mantêm muitos dos locais associados a Van Gogh e por ele pintados (ou desenhados) — por isso, podemos quase ter as mesmas perspectivas que ele teve, por isso se diz que não se pode estar mais perto de Van Gogh.

E ele, nos dois anos em que aqui viveu, entre 1883 e 1885, quando o pai era o vigário local (protestante numa zona maioritariamente católica), produziu 25% da sua obra. Este é o sortilégio desta pequena vila de 22 mil habitantes onde abunda toponímia alusiva ao pintor que tem uma estátua no praça-parque principal, sempre com o seu bloco debaixo do braço. No mesmo parque há uma estátua representando Os comedores de batatas, que parece ser a sua obra mais querida no país.

Por isso, o guia do Vincentre que nos acompanha na visita, Hans Keijzer, faz questão de distinguir entre o museu interno e o museu externo. O interno faz uma revisão cronológica da sua vida detendo-se, sobretudo, com pormenores da estadia do pintor em Nuenen. No rés-do-chão revemos “o que Vincent fez até aqui chegar”, diz Hans, ou seja, os seus primeiros 30 anos de vida, e “ouvimos” as vozes da mãe, do irmão, por exemplo, que saem de retratos grandes, dirigindo-se a ele. “Foi tudo tirado de cartas que sobreviveram. Cerca de 900, por isso sabemos tanto sobre ele.” Descobrimos que foi a mãe que o ensinou a desenhar e seguimos-lhe o rasto de insucesso em insucesso — desde o seu trabalho como comerciante de arte à sua tentativa de ser professor e assistente de vigário, passando pelos estudos em teologia —, de país em país — Inglaterra, França, Bélgica, Holanda. Foi na Bélgica, em 1880, que decidiu ser pintor, três anos depois regressava a casa dos pais, agora em Nuenen.

Subimos para o primeiro andar para perceber como era Nuenen nesses tempos: 2560 habitantes, quase todos camponeses e tecelões. Gente humilde com quem Van Gogh rapidamente fez amizade: eram os seus modelos a troco de dinheiro, o que não era bem visto pela “sociedade” de Nuenen, especialmente a minoria protestante, que via o filho do vigário como um excêntrico, louco mesmo, sempre com o caderno debaixo do braço (Van Gogh fazia as próprias tintas, por isso pintava no estúdio a partir de esboços). Descobrimos que Sien de Groot foi a sua top model, uma camponesa que é, por exemplo, a figura central de Os comedores de batatas, mas foi Margot Begemann, sua vizinha aqui, a única mulher que retribuiu o seu amor (vetado pela família dela).

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