As viagens pelo Douro num comboio que parece saído de um conto de fadas começaram o ano passado. E, como quase todos os contos de fadas, começaram com uma história de amor. Ainda por cima, um amor à primeira vista.
Gonçalo Castel-Branco estava à procura de um comboio antigo para arrancar um outro projecto com concertos a bordo, uma paixão antiga que começou numa viagem pelos Estados Unidos, quando encontrou o velhinho Comboio Presidencial. Agora, permitam-nos descrevê-lo ao pormenor para que percebam a assoberbada reacção do empresário mal descobriu que a mais charmosa aquisição do Museu Nacional Ferroviário tinha sido restaurada e ainda andava.
Sabe-se que qualquer portuense se orgulha da Estação de São Bento e dos históricos painéis de azulejos azuis que a revestem. E qualquer portuense sabe o que é tentar apanhar o comboio e lançar-se numa verdadeira corrida de obstáculos entre dezenas de turistas de câmara apontada para este edifício centenário.
No entanto, às 10h30 da manhã do dia em que a Fugas fez a viagem no Presidencial, todas estas câmaras dos muitos turistas que aproveitavam o dia de sol estavam apontadas para um comboio que esperava, paciente, a hora da partida na linha 6. Durante as restantes nove horas da jornada, várias outras câmaras voltariam a virar costas às inebriantes margens do rio para apontar a lente às linhas ferroviárias do Douro.
Afinal, não será todos os dias que se vê parte integrante do património nacional fora de um museu, completamente restaurado e pronto a seguir caminho a todo o vapor.
A história do Presidencial inicia-se com outro nome, na segunda metade do século XIX, cerca de 1890, quando foi mandado construir por D. Luís I, na altura em que começaram a surgir os primeiros comboios reais. Com pompa e muita circunstância, este mesmo comboio, que durante as últimas duas semanas fez viagens turísticas, estava habituado a transportar reis, rainhas (muitos anos depois transportaria a Rainha Isabel II) e imperadores.
Inicialmente era constituído por três salões sobre carris construídos numa famosa casa francesa. O salão real, o dos ministros e o restaurante (além de um furgão para colocar as bagagens) eram puxados por uma locomotiva a vapor.
Mais tarde, quando em 1910 se implanta a 1.ª República, o comboio passou a Presidencial e ficou destinado ao chefe de Estado e seus ministros e ganhou mais carruagens, passando a ter um salão presidencial para as figuras do estado a que se contrapunha outra carruagem, na ponta oposta, destinada aos jornalistas. O comboio já renovado percorreu os caminhos-de-ferro portugueses até 1970, ano da sua última viagem até ao funeral de António Oliveira Salazar, desde uma estação improvisada em frente aos Jerónimos até Santa Comba Dão.
A distância entre carruagens de governantes e repórteres não era, portanto, coincidência e tantos anos depois os lugares da viagem de inauguração da edição da Primavera, no dia 3 de Maio, ainda respeitaram esta separação.
O espanto ao entrar nas respectivas carruagens, no entanto, foi comum a ambas as partes. Do exterior, pintado em azul e vermelho com apontamentos em dourado, já se conseguiam ver pelas janelas alguns dos detalhes do interior, revestido em madeira.