A cidade a expandir-se, a Mata Atlântica a regressar e a tomar conta do jardim, com ajuda de Lina. Por isso, hoje a vista do enorme salão envidraçado é para um cenário onde não é necessária muita imaginação para nos imaginarmos na selva. Mas não é selva, não. É o produto da união da racionalidade da arquitectura racionalista europeia (e a sua predilecção, por exemplo, pelas formas geométricas e os materiais industriais, como aqui se vêem), com as idiossincrasias do novo país, nomeadamente a sua natureza exuberante. Já não vemos um ovni, vemos uma jangada de vidro que flutua na vegetação, agora um biombo em relação à cidade que já chegou até aqui.
Aproximando-nos percebemos que os pilares não foram um capricho. Foram, explica o guia, uma forma de aproveitar o declive do terreno, ao mesmo tempo que prestam vénia a um dos princípios de Le Corbusier. A entrada por aqui apenas se faz pela escadaria exterior (granito e estrutura de aço) que nos leva directamente ao coração da casa, o enorme salão que ocupa integralmente a parte transparente da estrutura e que se desdobra em sala de estar, de jantar, área de trabalho e biblioteca. Actualmente, parte desta tem acesso restrito por aí funcionar um centro de pesquisa e documentação, apropriadamente separado do resto do espaço por estantes repletas de livros.
E aí, nesse canto agora marcado pelas estantes e pelas paredes de vidro, vemos o espaço de trabalho com a mesa de Lina e a secretária de Pietro, cada qual virada para o exterior. Este é um dos ambientes deste espaço onde o interior e o exterior se misturam. Os móveis que o preenchem são quase todos da autoria de Lina, que, além da arquitectura, também se dedicou à cenografia e ao desenho de mobiliário — aliás, o seu primeiro projecto nesta área no Brasil terá sido a chamada “cadeira 7 de Abril” que criou para o MASP original (num edifício que ela adaptou) e que vemos aqui. “Tirando os móveis históricos e algumas peças avulsas, tudo o resto é produção de Lina”, explica o guia — tudo originais, excepto três reproduções.
Mas voltamos à estrutura da Casa de Vidro e ao saguão que, desde que a vegetação original retomou o seu lugar, ilumina mais directamente o salão. Nele, cresce uma árvore reforçando a ideia de contacto com a natureza; através dele faz-se a ventilação cruzada nos dias mais quentes e mais uma homenagem a um dos mestres da arquitectura moderna — no caso, Mies van der Rohe e às suas casas-pátio.
O saguão como que divide as duas partes da casa, a transparente e a “opaca”, chamemos-lhe assim, betão assente no terreno. É a zona privada, com os quartos, a cozinha e as zonas de serviço. A cozinha é enorme, com janelas estreitas na horizontal e junto ao tecto — tem ligação para um pátio nas traseiras com um forno de pão e uma churrasqueira e para a antiga horta. Há também ligação para a zona dos quartos, dois de hóspedes agora fechados e o quarto principal (janela virada a nascente e, por isso, com pesado reposteiro), na penumbra para preservar uma “pintura italiana do século XVI ou XVII), com uma antecâmara. Duas casas de banho, inesperadamente “modernas”, completam esta área que tem ligação directa para o salão, através da antiga biblioteca e da entrada. Na verdade, a organização da casa é circular, com três pontos de transição entre as duas zonas, entre luz e a penumbra.