Fugas - Viagens

Giampiero Sposito/Reuters

Por Itália, com Mega Ferreira, os seus livros, quadros, músicas e filmes

Por Alexandra Prado Coelho

Numa viagem “intelectual e afectiva”, o escritor guia-nos pelas suas referências culturais, de Trieste a Roma.

Das “margens do Adriático” à “Roma eterna”, passando pelo “triângulo emiliano” e as “flores da Toscana”, António Mega Ferreira, escritor, jornalista, gestor cultural, regressa a Itália (tinha já escrito Roma – Exercícios de Reconhecimento) para nos transportar numa espécie de Grand Tour (“a peregrinação obrigatória das elites cultas da Europa a partir do século XVII”) muito pessoal.

Os textos reunidos em Itália – Prática de Viagem resultam de “quatro décadas de apaixonada convivência com os lugares e as gentes mas, sobretudo, com a cultura italiana”. Esta é, escreve o autor, “uma viagem intelectual e afectiva”.

Chegamos em primeiro lugar a Trieste, como se fosse um “cenário de teatro […] movido por engenhosas máquinas de cena”, e logo aí cruzamo-nos com o escritor Rainer Maria Rilke — “deve ter sido este azul [do mar] que Rilke amou” — e com James Joyce, que encontrou na cidade um modesto emprego de professor de línguas. E, logo a seguir, com “dois grandes escritores italianos, Italo Svevo e Umberto Saba, ambos naturais de Trieste, ambos frequentadores dos cafés da cidade”.

A viagem italiana de Mega Ferreira faz-se pelos escritores, mas também por outras artes. A pintura — e podemos partir de um quadro que o fascina como O Milagre da Cruz em Rilato, de Vitorre Carpaccio (1465-1520) para falar de Veneza. Ou a música — e estamos ainda em Veneza para ouvir Vivaldi.

Ou o cinema (aqui misturado com a literatura) — e viajamos até Ferrara com o escritor Giorgio Bassani, cujo livro O Jardim dos Fizi-Contini, publicado no início da década de 1960, foi adaptado ao cinema por Vittorio de Sica. Conta Mega Ferreira que Bassani não gostou da adaptação da sua história de Ferrara nos anos da ascensão do fascismo e de crescente perseguição dos judeus — de tal forma que exigiu que o seu nome fosse retirado do genérico.

Com estas grandes figuras da cultura italiana atravessamos os tempos e as cidades. Diz o autor que este livro “não é um guia nem um roteiro turístico-cultural”. “Limita-se a abordar temas da paisagem histórica, artística e humana de Itália, ao sabor das minhas inclinações e gostos, tal como resultaram das minhas práticas de viagem.”

São pistas, pontos de partida, textos que, longe de esgotarem roteiros das cidades, abrem hipóteses poéticas na nossa forma de olhar para elas. No final, o autor junta uma breve nota bibliográfica, explicando que o seu livro é “tributário de um conjunto de obras” que ali enumera.

A partir delas pode-se fazer uma versão (mais caseira, é certo) do Grand Tour, seguindo, por exemplo, os passos do escritor J.W. Goethe que um dia “tinha quase quarenta anos quando ‘apenas com um alforge e uma mochila de pele de texugo por bagagem’ meteu pés ao caminho”. Itália era para ele “uma ideia fixa que quase já envelheceu” na sua “alma”. Antes e depois dele, o país — “um dos lugares míticos da construção de uma identidade cultural europeia”, resume Mega Ferreira — continua a exercer o mesmo fascínio, quer viajemos pelas estradas ou pelas palavras. 

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