Fugas - Viagens

  • Mário Lopes Pereira

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Um perfume é como um livro, com um enredo e várias personagens

O acto de compor um perfume é “semelhante ao acto de cozinhar”, diz. “Antes de um chef criar uma receita já visualizou o prato. Houve antes o trabalho de pensar na história que se quer contar para depois fazer a concretização, que é o acerto de vários elementos.” Neste caso, mais do que um nariz ou paladar apurado, entra “a noção de equilíbrio e do belo”.

Lucena também se dedicou a fazer perfumes para pessoas ou projectos (como o cantor moçambicano Stewart Sukuma ou o Casa Comigo Lisboa), à venda em lojas. E perfumes costumizados, totalmente personalizados: fez cinco e recusou vários, porque exigem muito tempo. “É preciso entrar na pessoa, conhecer o seu gosto, a sua personalidade, o que come, que música ouve, como se relaciona com os filhos. É um retrato psicossocial.”

E ao fim de dez anos a encontrar o cheiro dos outros, decidiu que estava na altura de assumir a sua própria identidade — através da identidade do país. O Acqua di Portukali é inspirado numa fórmula clássica da perfumaria, o Água de Portugal, “que tem mais de 100 anos”. “Ainda hoje não consigo encontrar a história dessa fórmula, mas há algumas referências. A base é cítrica porquê? Porque os portugueses é que trouxeram a laranja da China. Muitas vezes é referido que as laranjas portuguesas são as melhores para a perfumaria, porque são as mais doces, mais sumarentas, mais aromáticas. É ‘a’ laranja [que em grego se diz portukali, daí o nome]. Decidi recuperar essa fórmula, mas rapidamente percebi que se a replicasse hoje ela pareceria antiquada, porque tinha neroli (um cítrico denso um bocadinho floral e muito pesado, quente) e muita flor de laranjeira. Retirei isso e adicionei bergamota, rosa branca e madeira de cedro para lhe dar contemporaneidade.”

Abre-se o frasco, um cubo preto, com o nome serigrafado a cor-de-laranja, e o que se sente? “O perfume tem um primeiro impacto muito cítrico, com a laranja à cabeça empurrada pelo limão e a bergamota — é quase uma laranja acabada de espremer. Mais tarde aparece a rosa branca e no final o cedro. O perfume é como um livro, em que vão aparecendo as várias personagens. É uma história que se vai revelando”.

 

Acqua di Portukali
O frasco, de 120ml, custa 120 euros, e a produção é limitada
À venda na Embassy - Niche Perfumery, em Lisboa, ou em https://acquadiportokali.com/

Resposta rápida

Quais os cheiros que não suporta?
Lixo, ovo podre, Cerveja e bebidas alcoólicas no chão queimado pelo sol, depois de uma noite de excessos.

Porque há tão poucos perfumistas em Portugal?
Porque é uma actividade rara. No mundo, no activo, somos cerca de 800 profissionais. Por outro lado, porque não existe uma indústria afirmada na área dos perfumes em Portugal.

Qual a importância de ser-se membro da Société Française des Perfumeurs?
Mais do que um título, o que valorizo na SFP é a facilidade de acesso a informação, conferências, congressos, encontros e uma porta aberta para o contacto com todos os membros. Ser membro da SFP é um garante profissional perante outros profissionais e perante a indústria.

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