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Angola, o paraíso encarcerado

“A maior expectativa”, pensa Filomena Fonseca, professora de Português no Lobito, “é que haja mudança na forma de gerir”. “As pessoas não estão mais interessadas em desfiles de ostentação de riquezas. Querem emprego que lhes possibilite sustentar a família; as necessidades básicas ainda são muitas”, sublinha.

“Salomão, liga o gerador!”

A meia-luz no resguardo do famoso AC acende a conversa. Ninguém parece depositar grandes esperanças em João Lourenço, à altura desta conversa o expectável substituto de Zedu para comandar os destinos de Angola. “Há uns anos, o gajo estava a dar demasiado nas vistas e o Zé Eduardo dos Santos tratou logo de o pôr de lado! Agora vai ele para lá, mas vai ser a mesma coisa”, comenta Ricardo.

A luz vai abaixo, mas os cortes são tão comuns quanto uma manga cair de madura. “Salomão! Ó Salomão! Liga o gerador! Liga os dois! Temos de ter ar condicionado.” Salomão faz tudo, desde encher jarros de água a cozinhar pernas de porco, como nas histórias da Angola colonial. “Isto está muito mau”, lamenta Maria, cigarro na mão, whisky com gelo na outra. “Os bancos estão sem dinheiro, controlam-nos tudo, cortam-nos as fases da electricidade…” Mas já foi pior, como quando Filomena Fonseca chegou ao país, no início dos anos 2000. “Foi um início difícil, passar dias sem luz nem água canalizada”, recorda.

Ao mesmo tempo que acontece o pequeno progresso, começa-se a dominar a “dança do sistema”. É preciso conhecer o esquema e o código angolanos para viver ileso a experiência local. Desde o pedido de “gasosa” (dinheiro) pelo oficial da polícia até à troca de euros por kwanzas na candonga (contrabando, porque na rua o dinheiro vale o dobro) mesmo em frente ao banco, há uma linguagem mais sinuosa do que o semba. “Quanto queres? 100? 200?”, pergunta um rapaz junto à pastelaria Aurea, no bairro Caponte. Mais fácil do que comprar bolos.

Avisados sobre a “gasosa” e outras graças da gíria angolana, partimos em direcção ao coração do país, o Bié, da aridez para a vegetação copiosa, em mais ou menos 600 quilómetros. Toda a estrada é uma feira. Os aldeões saem em corrida das cubatas (casas tradicionais em adobe com telhados de colmo), os abacaxis saltam da terra em Monte-Belo. “Menina, menina! Leva cinco!” Cada um não chega a 50 cêntimos. Sabem a mel às toneladas. Abacaxis que fazem transpirar. Há também as bananas curtas e doces depois da serra do Pundo, as mangas em excesso pelo chão, as lossacas (da família da beringela) a chegar ao Bailundo, a mandioca a secar moída no asfalto do Andulo. Já para não falar nos imitadores de xinganje (homens pintados e vestidos com palha e folhas, prontos a afastar os maus espíritos) a dançar diante do capot.

Depois de passar o rio Dune, onde se esticam as pernas e se lava a roupa, mãos e línguas abertas fora da janela, a conhecer as primeiras pingas do Bié. “É daquelas chuvas boas, que deixam este cheiro a terra. Isto não existe em mais nenhum lugar”, solta Filomena.

O planalto central

Empurramos a porta com a mão sobre a imagem de Nossa Senhora de La Salette. Nas paredes, há buracos de balas. Um, dois, três, quatro… Bom, não vale a pena contar. “Dizem que o Savimbi se escondeu aqui”, relata o padre Adriano. De caxexe, na língua local. “Que passou cá algum tempo com uma das mulheres”, não muito antes de ter sido capturado e morto, em 2002. Até há dois anos, esta casa pastel, sede da missão católica, esteve fechada. Não havia coragem nem meios para sarar as feridas do Bié, uma das províncias mais fustigadas pelas guerras colonial e civil. Há dois anos, Adriano veio de Benguela conhecer o Interior, e não foi fácil.

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