Fugas - Viagens

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Na aura de Amesterdão, navegam barcos de queijo, história e areia

Já estamos de regresso ao casario de Broek in Waterland quando Reinard nos fala da pequena aldeia erguida sobre os canais no século XVII. No regaço do barco, seguem as cestas de piquenique com o almoço que recolhemos na casa de chá em Overleek. “Existem algumas casas de férias, mas a maioria são habitadas por pessoas que trabalham em Amesterdão mas querem viver na natureza.” Pelos pátios, passeiam galinhas, gatos, patos, ovelhas. Numa localidade que tem quase tantas estradas de água quanto as de alcatrão, todas as casas têm um pequeno barco atracado nas traseiras. Em cada intersecção, placas informativas pairam sobre a água para apontar a direcção das localidades vizinhas. Em frente, Amesterdão e Watergang. À direita, o centro de Broek in Waterland e, mais à frente, Overleek. Na aldeia, vivem cerca de 2000 pessoas e várias pontes fazem a comunicação entre as margens dos diversos canais. Não é o caso deste braço de água. Um homem sobe a uma plataforma flutuante e dá à manivela. O sistema de roldanas leva-o do quintal a casa.

As nuvens carregam o céu e levam-nos a puxar dos cobertores, enquanto Reinard vai contando curiosidades sobre Broek. Como a história do restaurante “quase Michelin” que fechou quando um casal rico foi lá jantar e discutir os termos do divórcio. “Ele perguntou-lhe o que é que ela queria para aceitar a separação e ela respondeu que queria morar naquele edifício. Ele comprou-lho”, ri-se. Ou a casa onde Napoleão Bonaparte terá tomado chá e gravado as suas iniciais. Ainda hoje se discute se terá sido o imperador francês ou um irmão a visitar, de facto, a aldeia. Se tivéssemos tempo, o passeio continuaria num trajecto circular de 10 quilómetros até Monnickendam, a única cidade de Waterland, onde vive mais de metade da população do concelho. Ou de bicicleta pelos trilhos que serpenteiam o quadriculado de pastos. Mas Jan Uitentuis e a família já nos esperam em Beemster. Vinte quilómetros separam-nos da quinta onde vamos fazer queijo. Ou pelo menos tentar.

O resgate de um saboroso engano

Passam dois meses quando nos entregam um pacote em Lisboa. Lá dentro, uma bolinha de queijo amarelo com um sete marcado a caneta preta. Saímos tão descrentes das nossas habilidades como queijeiros que nos esquecemos de apontar o número gravado na forma onde depositámos o labor de uma tarde. Ia ser prensado e curado durante cerca de quatro semanas. Depois enviar-nos-iam pelo correio. Como não nos lembramos do nosso número, vamos assumir que é este, já cortadas as primeiras fatias, bem curado e de sabor suave.

Na quinta da família Uitentuis, fazer queijo é um hobby. Dos 8000 litros de leite de vaca recolhidos por ano, apenas 5% prossegue para a sala de fermentação. O restante é vendido a uma das principais cooperativas holandesas de laticínios. Mas o queijo é uma velha paixão de Jan Uitentuis. Tudo começou com uma obsessão: ressuscitar o messeklever. A história do queijo “que cola à faca”, em tradução literal, é atribulada. Em meados do século XIX, uma fornada do famoso Edam correu mal e não ganhou a consistência rija que lhe é característica. Perdeu-se um lote de Edam mas do erro nasceu um novo queijo, mole e de interior cremoso. Tinha um paladar diferente, requintado, e depressa se tornou um produto de luxo local. Mas no rescaldo da Segunda Guerra Mundial o poder de compra da população caiu a pique e a produção acabou por desaparecer. Até que, há 30 anos, uma equipa de investigação da Universidade de Wageningen, da qual Jan fazia parte, recolheu informação sobre as técnicas de preparação e reconstituiu todo o processo sem, contudo, conseguir chegar à receita final. O bichinho ficou. No início dos anos 2000, já Jan tinha deixado a carreira de investigador para se dedicar à quinta comprada pelo sogro em 1970, decidiu voltar às experiências para recuperar o messeklever. Levou dois anos até afinar a receita e ter resultados consistentes.

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