Praia, dunas e bisontes
Quando chegamos à praia de Zandvoort, a meia hora de comboio de Amesterdão, o cenário causa estranheza: as dezenas de espreguiçadeiras estão de costas voltadas ao mar. Num país quase sempre enevoado, o sol é um bem mais precioso do que a paisagem — e ele, neste momento, espreita acima dos blocos de apartamentos da estância balnear. O turismo teve o período áureo na cidade entre o século XIX e o século XX, com muitos restaurantes, boulevards e vivendas de veraneio dos negociantes ricos de Amesterdão. Mas durante Segunda Guerra Mundial “os alemães destruíram tudo para construir bunkers”, recorda o guia Gerard. A Muralha do Atlântico, uma linha de defesa das tropas alemãs que percorreria a costa europeia desde a Noruega até à fronteira espanhola (nunca chegou a ser concluída), atravessava Zandvoort e ainda existem vestígios no concelho. À excepção de um pequeno bairro de pescadores, não há, por isso, casas antigas na cidade. A maioria dos edifícios do centro histórico foi recriada depois do conflito, mas os prédios recentes, as inúmeras lojas, restaurantes e esplanadas e a vida veraneante de Zandvoort não nos tira as estâncias balneares portuguesas da memória.
O areal largo — repleto de bares de praia, espreguiçadeiras e pequenas casas pré-fabricadas (que os proprietários montam e desmontam todos os Verões sobre uma infra-estrutura com linhas de água, electricidade e saneamento básico) — estende-se ao longo de nove quilómetros, tanto para norte como para sul da cidade. Quando a malha urbana cessa, assomam mantos de dunas douradas cobertas de vegetação e pequenos lagos. A sul, fica a reserva natural de Waterleidingduinen, cuja rede de canais ainda abastece Amesterdão de água potável. A norte, o parque nacional de Zuid-Kennemerland, com 3800 hectares de extensão. É lá que damos um último passeio de bicicleta, por muitas subidas e descidas.
O ecossistema dá abrigo a mais de 200 espécies de aves, veados, corços, coelhos e, desde o virar do milénio, grandes herbívoros, como vacas, cavalos, póneis e uma manada de bisontes-europeus, que ajudam a controlar o crescimento da vegetação para manter o desenvolvimento dinâmico das dunas. Depois de séculos massacrado pela agricultura, construção e crescimento descontrolado de vegetação daninha, o ecossistema dunar de Zuid-Kennemerland é hoje um exemplo de recuperação e conservação da natureza. Em 2007, uma parte do parque nacional transformou-se num dos últimos redutos do bisonte-europeu, espécie que já só existe em cativeiro.
Na zona de Kraansvlak, há cerca de 20 animais. Um dos trilhos percorre a cerca junto ao lago principal, ponto privilegiado de avistamento. Mas, desta vez, o guia Jan Jaap Moerkerk faz um desvio por dentro da reserva. “Quatro crias nasceram nas últimas semanas”, conta Jan. Caqui dos pés à cabeça, Jan não tira os olhos do chão. Anda rápido, atento a tudo. De repente, pára. Aponta para fezes de coelho. Mais à frente, pega em excrementos secos de bisonte. Desfaz uns de uma raposa. “Se repararem, este tem muitos mais pêlos”, explica. Muito se descobre sobre a dieta de um animal, através das suas fezes, vai demonstrando em detalhe. Não chegaremos a ver nenhum dos animais, apenas alguns cavalos e as imponentes vacas de raça escocesa, de franja sobre os olhos e cornos torneados. Jan conhece o parque como a palma da mão e leva-nos directamente até elas. Descansam junto a um espelho de água entre as dunas. Jan é voluntário no parque há oito anos. “Amo a natureza e se puder partilhar a minha paixão com outras pessoas, melhor.” Fazer visitas com os miúdos das escolas é do que mais gosta. Um dia, entre um grupo estava uma menina com pouca vontade de tocar na bicharada. Depois de muita insistência, convenceu-a a pegar num caracol. “Nunca tinha tocado em nenhum e no final da visita disse-me: ‘Este é o melhor dia da minha vida’”, recorda. “Se puder ter momentos destes, sou um homem feliz.”