Mas Visby estava para lá, serena, como se ela e eu soubéssemos que havia tempo para os dois.
Como o instante que se segue a uma atracção.
- Não sei como explicar. Talvez o mar, a luz, o ar, uma espécie de mistura da beleza total, a tranquilidade, a loucura e uma natureza selvagem.
Aquela mulher e eu, percebia-se, não tínhamos muito tempo um para o outro. Mas o pouco que tínhamos não era desperdiçado. Na ausência de palavras, era o silêncio que inundava tudo à sua volta. Quando aquele instante silente se quebrava, com a rapidez com que um copo nos salta das mãos, eram as palavras que tingiam tudo em seu redor.
- Seria mais fácil se me pedisses para escrever uma longa história sobre Gotland.
Era como, conhecendo a sua relação com a ilha, Terese Jonsby não desejasse importunar, com as suas palavras e sentada naquele miradouro que se debruçava sobre o mar, a natureza da ilha, tão magnetizada pela serenidade.
Escrever é um bom exercício para a memória, presente e futura.
Assim pensava eu.
- Gotland é um lugar místico, quase mágico. Eu devia ter quase sete anos quando visitei a ilha pela primeira vez.
Isto pensava ela. E mais:
- Costumávamos alugar uma casa em Fidënas, não muito longe de Burgsvik, no sul de Gotland, todos os verões, quando era criança. Como eu admirava a natureza. Não é por acaso que muitas das minhas memórias estão associadas à paisagem e aos animais, todos aqueles coelhos correndo à volta, as visitas dos ouriços durante a noite, e muitos cavalos, carneiros e bodes.
Ela, após um suspiro, reteve as palavras e alargou os horizontes do olhar, como se percorresse as páginas de um livro da frente para trás.
- Mas do que me lembro mesmo, com uma nitidez impressionante, é dos cavalinhos Gotlandsruss, do momento em que pedi à minha mãe para levar um para casa, para Estocolmo.
Pipi das meias altas
A meio da tarde, muito antes ainda de o sol se retirar, Terese Jonsby deixou-me próximo do porto e do hotel onde decidira instalar-me durante uns dias e onde não demorei mais do que uns minutos antes de ser engolido pela atmosfera serena das ruas de Visby. A minha errância, igualmente tranquila, começava na Torre da Pólvora, escutando o marulho das águas do mar sacudidas por uma brisa quase inofensiva. Erguida no século XII, ainda antes de serem construídas as muralhas da cidade, tinha como único propósito a defesa da ilha e a sua actual designação é muito mais recente, remontando ao século XVIII quando assumiu as funções que estiveram na origem da sua toponímia – um armazém de pólvora.
São também de finais do século XVIII as casinhas térreas que se cruzam com o meu olhar na Strandgatan, todas em madeira (com postes na vertical e tábuas na horizontal), pintadas com cores fortes e tão características da paisagem de Gotland. No passado, eram referidas como casas dinamarquesas e é bem possível que esta tradição de construção se deva ao longo período em que o país viveu sob o jugo do vizinho - mas a posterior moda de levantar edifícios em pedra também se ficou a dever à criação, em 1757, de uma lei que isentava os contribuintes que optassem por este material, uma medida que visava a preservação da madeira.