Fugas - Vinhos

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Whisky: À descoberta dos prazeres de um single malt

Por José Manuel Rocha

O single malt é muitas vezes considerado o suprassumo dos whiskeys. Com uma tradição que remonta ao século XV, é uma bebida cheia de subtilezas, que exprime diferentes lugares de proveniência e se ajusta a diferentes momentos. Uma viagem por um mundo de prazeres especiais.

Terá sido pouco anos antes de os navegadores portugueses se terem feito à tarefa de dar novos mundos ao mundo que na Escócia alguém se aventurou a dar novos sabores ao palato. Com frades metidos ao barulho, como sempre acontece com tudo aquilo que são os prazeres da boca.

Quando hoje abordamos as prateleiras de uma garrafeira, na área dedicada aos whiskeys, deparamo-nos com uma imensidão de marcas, distintas na forma, na idade, na origem. Todas elas capazes de nos proporcionarem momentos de prazer intenso ou de montarem a base para um agradável espaço de convívio. Mas nada como um single malt para nos conduzir à essência da bebida, para nos pôr em contacto com o Rolls-Royce dos whiskeys.

Os estudos dedicados à noticia da criação do primeiro whisky— de malte, no caso — remontam a 1494. E há trabalhos que apontam mesmo a data de 8 de Agosto desse ano da graça como o momento em que um tal Frei John Cor se atirou à tarefa de criar aquilo que na altura foi denominado como uisge beatha, o que, traduzido do gaélico, significa água da vida.

Quem diria que uma imposição real, de Jaime IV, determinando que o tal frade produzisse VIII bolls of malt (400 garrafas por dia) iria lançar para o mundo uma bebida que se tornou incontornável e que tem uma legião fiel de seguidores espalhados pelos quatro cantos do mundo? Basicamente, porque um verdadeiro single malt é uma experiência que nos agarra para o futuro. O cristalino tom de mel no copo, a explosão de um certo picante na boca, ao primeiro trago, o cocktail de flores e frutos ao longo da degustação e o final prolongado em que os sabores adquirem novas dimensões acabaram ditar uma longa jornada para o tal spirit que conseguiu garantir para o seu nome algo que é fundamental para todos nós, a vida.

A técnica da destilação não foi descoberta na Escócia, mas a descoberta do malte como a base para a construção de uma bebida alcoólica é uma conquista escocesa. Traduzida para lei, no início do século XVI, através da criação do organismo que iria regular a produção da bebida, ainda então pela importância das suas propriedades medicinais.

Mas nunca como neste caso se foi tão longe na arte de combinar sabores e na forma de equilibrá-los com a potência do álcool, como acontece com outras bebidas. Nunca, como neste caso, se conseguiu um tipo de alquimia em que um pequeno trago da bebida consegue espalhar-se na boca como uma nuvem que a preenche. E permanece.

Vinicius de Moraes costumava dizer que "o whisky é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado". Para quem se lembra dos famosos espectáculos em que o compositor brasileiro "destilava" uma garrafa ao longo de hora e meia de canções, será fácil perceber o alcance da frase e, porventura, a importância que o whisky que Vinicius bebia acabou por ter na obra que deixou como legado.

Porque a famosa água da vida criada na Escócia é uma bebida fácil e, no entanto, de uma forte complexidade. Fácil, porque se bebe a qualquer momento, misturada com um pouco de água, on the rocks, ou mesmo simples. Funciona como aperitivo, na perfeição, ou, então, como um magnífico digestivo que potencia uma conversa e torna uma noite mais conjuntiva. Principalmente agora, que o frio voltou a ganhar terreno e o convívio em casa conquistou novos argumentos, contra os de uma saída até um bar ou mesmo uma esplanada à beira-mar implantada.

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