Fugas - Vinhos

  • Mário Sérgio e Carlos Campolargo
    Mário Sérgio e Carlos Campolargo Adriano Miranda
  • Bairrada, Campolargo, Quinta de São M
    Bairrada, Campolargo, Quinta de São M Adriano Miranda
  • Campolargo, Rol de Coisas Antigas 2009
    Campolargo, Rol de Coisas Antigas 2009 Adriano Miranda
  • Bairrada, Quinta das Bágeiras
    Bairrada, Quinta das Bágeiras Adriano Miranda
  • Quinta das Bágeiras, Garrafeira Tinto 2008
    Quinta das Bágeiras, Garrafeira Tinto 2008 Adriano Miranda

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Debate: A Bairrada vista de ângulos diferentes

Carlos Campolargo: É determinante para qualquer vinha. O que podemos dizer é que a Baga — reparem que eu nunca digo a ´casta Baga` [risos] —, dada a sua delicadeza, precisa mesmo desse tipo de solo e dessa boa drenagem. Num ano chuvoso, se não estiver bem instalada e cuidada, o seu destino é a podridão e a insuficiência de maturação.

Mário Sérgio: Por isso é que eu digo que é determinante. Porque havia uma ideia generalizada de que a Baga dava duas boas colheitas de dez em dez anos. Se a instalarmos no local certo, podemos ter resultados muitíssimos bons e produzir vinhos com uma identidade muito bem definida na nossa região. Aquilo que se fez durante muitos anos foi plantar Baga em todos os sítios, por ser uma casta produtiva.

Carlos Campolargo: A variedade de solos na nossa região é incrível. Em 300 ou 400 metros lineares, nós passamos de um tipo de barro para outro bem diferente, para afloramentos calcários mais nítidos, para manchas de areia à superfície. Nos cabeços, temos areias com barro e calhau rolado. Isso é bom e é mau. Se quisermos, por exemplo, ter uma área interessante de Baga em solos argilo-calcários aqui nesta zona, não existe terreno para isso. Os terrenos são pequenos. Só na zona de Cantanhede, em Ourentã Cordinhã, Outil, onde temos um plateau verdadeiramente plano, é que se encontra uma faixa de terreno com cerca de um quilómetro sem variações significativas de solo.

Mário Sérgio: Diz-se que a Bairrada é a nossa Borgonha e julgo que isso faz algum sentido. A variedade de terreno, a reduzida dimensão das parcelas e o facto de ter existido durante muito tempo apenas meia-dúzia de castas e a Baga ter uma preponderância tão grande, como o Pinot Noir tem na Borgonha, são bastante comparáveis. A importância que dão na Borgonha ao terroir também se verifica aqui.

Carlos Campolargo: Hoje fala-se de terroir como se o terroir fosse o terreno. Não é. Terroir é um conjunto de factores em que a acção do Homem é decisiva, e a acção do Homem na Borgonha em termos de vinha e vinho é muito antiga. A Borgonha tem imensos maus vinhos, mas também tem as suas locomotivas, que são de topo mundial. Nesse sentido, não somos uma Borgonha. Não temos essa história, esse trabalho feito, essa projecção mundial. Mas temos uma coisa positiva. Eu costumo dizer que o tempo corre a nosso favor. A história do consumo do vinho em Portugal é recente e o que nós sabemos é que o consumidor está a vir do Alentejo para o Douro e que mais cedo ou mais tarde vai acabar aqui e no Dão, nos vinhos mais secos e frescos, mais apropriados para comer.

Mário Sérgio: Se for só para provar, talvez os vinhos do Alentejo e do Douro impressionem mais. Mas o vinho foi feito sobretudo para se beber. Eu não tenho prazer quando cuspo o vinho. Aí fico com uma percepção do que é o vinho. O que me dá prazer é quando me sento à mesa a comer e a beber bem, seja lá o vinho que for.

Carlos Campolargo: Os meus vinhos favoritos de Portugal nascem de uma forma geral numa faixa que começa aqui junto ao mar, que vai de Figueira [da Foz] a Figueira [Castelo Rodrigo]. Há nesta faixa um grande equilíbrio climático e os vinhos, feitos de maneira tradicional, não mascarados por um mau uso da madeira, são extraordinários. São vinhos que eu gosto, que me apetecem. Na Bairrada deverá haver apenas uma marca, que é a da mão do homem, que escolhe a casta e a maneira de fazer. Não nos devemos ajustar muito às variações do mercado. Quem quer estar na moda nunca está na moda. A casta é importante? Só até certo ponto. Aqui tenho que ser um bocadinho duro em relação à Baga. Ela está em toda a região centro. Na zona de Tomar, em Porto de Mós e em Alcobaça talvez haja mais Baga do que na Bairrada. Há uma teoria que a dá como sendo mais antiga no Dão. Não estou preocupado com isso. Estou mais preocupado em fazer e em experimentar o que acho ser melhor para a minha terra. Foi isso que fizemos na nossa casa. Plantámos umas castas mais adequadas ao interesse dos clientes que nos compravam uvas, outras mais fundadas na nossa curiosidade de experimentar. Depois de fazermos o vinho dessas diferentes variedades, somos muitas vezes confrontados com provadores que, sem saberem o que estão a provar, nos dizem: ‘Se isto for português, só pode ser da Bairrada’. Porque o terreno e o clima, sobretudo, imprimem uma marca muito profunda no vinho e este não deixa de ser Bairrada só porque a casta é menos conhecida. Devo acrescentar que a preponderância da Baga na Bairrada é uma coisa muito recente, posterior à filoxera, e só tomou ascendente por causa do oídio, porque a Baga era a que mais produzia e a que mais resistia ao oídio.

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