Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

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“O Dão é das poucas regiões que resistiu à entrada de castas estrangeiras”

Falta chegar ao consumidor?

Exactamente. E não me venham dizer que é um problema de quantidades, que vender para a China, para o Brasil, para os Estados Unidos, para onde quer que seja, é um problema de quantidades. Quando chegamos ao consumidor, ele compra os nossos vinhos. Os críticos estrangeiros acham os nossos vinhos esplendorosos. Mas isso não chega. Os produtores têm que fazer o seu trabalho. Se o produtor não tiver meios para o fazer, a CVR tem que se organizar e fazer essa promoção. O esforço da CVR tem sido relevante, mas pode ser ainda maior. O Solar dos vinhos do Dão, por exemplo, devia ser mais dinamizado, porque os olhos também comem. Devemos puxar por aquilo que temos de melhor. O Dão é das poucas regiões que resistiu à entrada de castas estrangeiras.

Como explica isso?

O Dão é das regiões mais antigas do país e só permite a entrada de uma ou outra casta, tipo Alicante Bouschet. Mas tem resistido às castas estrangeiras sobretudo porque se dá bem com a Touriga Nacional, com o Alfrocheiro, com o Encruzado, com o Verdelho, com a Malvasia Fina. Eu próprio já fiz experiências com castas estrangeiras. Plantei Merlot, Pinot Noir, algumas castas brancas, e vinifiquei-as, mas acabei por reenxertar tudo para Touriga Nacional e Encruzado.

Não acrescentavam nada?

Nada. Numa região como a Bairrada, que tinha cerca de 95% de Baga, era compreensível recorrer a outras castas, porque não podiam ter bons vinhos apenas de cinco em cinco anos. No Dão não há esse problema. Graças à tecnologia disponível, não temos necessidade de irmos pelo caminho mais fácil de introduzir castas estrangeiras para respondermos às alterações climáticas. Não haver no Dão praticamente ninguém com castas estrangeiras pode ser uma vantagem competitiva muito grande.

Como resume o tal potencial do Dão de que tanto se fala?

Noventa e sete por cento dos solos da região são graníticos, com PH baixos. Como os solos são pobres e rotos, com pouca retenção de água, pode chover à vontade. Por outro lado, as raízes chegam facilmente à rocha mãe e espalham-se por ela, e a cerca de dois metros de profundidade têm sempre frescura. Estes solos, associados a um clima não demasiado agreste para as videiras – a serra do Caramulo protege-nos dos ventos marítimos e a serra da Estrela dos ventos continentais -, com amplitudes térmicas elevadas nos últimos 30 dias de maturação, confere aos vinhos uma cor cintilante, elegância e frescura.

O que é que a Touriga Nacional do Dão tem que a do Douro não tem?

Ou não tem noutras regiões do país…

Sim, mas foi no Douro onde ganhou maior expressão…

Tem a característica que lhe é impressa pelo "terroi": tem mais floral, não é tão concentrada e é mais elegante. É a única casta da região que pode ir para o mercado quase sozinha. O Alfrocheiro não produz muito, mas os produtores-engarrafadores gostam muito dela. Tem um bago muito pequeno, é muito aromática e possui tanta acidez como a Touriga Nacional, ao contrário da Jaen e da Roriz, que são castas com menos acidez natural e que, por isso, envelhecem pior. A Tinta Pinheira [o Rufete do Douro] dá vinhos muitos ácidos e com pouca cor. Serão sempre vinhos de nicho, porque não se encaixam bem no padrão dos vinhos do Dão. A nossa tradição é o blend, o vinho de lote.

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