Fugas - Vinhos

  • João Ferrand
  • João Ferrand
  • João Ferrand

O melhor sommelier do mundo (também) ensina a provar café

Por Alexandra Prado Coelho

Conhecer todos os vinhos, saber servi-los, mas sobretudo saber explicá-los, e escolher o vinho certo para, por exemplo, um americano num voo da Air France — são tudo tarefas que o melhor sommelier do mundo tem que fazer sem hesitações. Mas, para além disso, Paolo Basso sabe de café.

Não é fácil ser o melhor sommelier do mundo. É preciso saber de vinhos, claro, mas não basta. “Temos que saber a fórmula química da fermentação maloláctica, ou quantas vezes o vinho é referido na Bíblia, o que são socalcos, temos que responder a perguntas sobre saké ou sobre café”, conta o suíço-italiano Paolo Basso, que tem actualmente o título de Melhor Sommelier do Mundo 2013.

Convidado a vir a Portugal pela Nespresso para o lançamento do mais recente Grand Cru da marca, o Special Reserve Maragogype, Paolo Basso esteve nas Caves Graham’s, em Vila Nova de Gaia, para explicar como é que se prova vinho — e como se prova café. Porque, disse, “o sommelier é a pessoa que trata de todas as bebidas num restaurante, tem um papel semelhante ao de um guia num museu.”

Para estar preparado para isso — e sobretudo se quiser ser o melhor do mundo — tem que passar testes rigorosíssimos no campeonato mundial, em que concorre com 55 outros sommeliers, dos quais apenas 12 passam à semifinal e quatro à final. Antes de falar de café, Paolo Basso mostra, com a ajuda de fotografias, o que é a pressão dessa final em que é preciso apresentar quatro vinhos diferentes em dez minutos, servi-los da forma correcta, explicá-los, tentar não cair nas rasteiras (por exemplo, um cliente que pega numa garrafa para ler o rótulo obriga a que o sommelier substitua a garrafa, que foi demasiado agitada — esquecer isso é perder a prova).

O espectáculo torna-se de tal maneira emocionante que, na final em que ele ganhou, realizada no Japão, a televisão japonesa transmitiu a competição ao vivo. Para ganhar é preciso muita experiência, que Paolo Basso foi ganhando ao longo do tempo: é um dos cinco sommeliers do mundo a ter chegado à final de um concurso internacional oito vezes.

A Fugas conversou com Paolo Basso durante o almoço de apresentação do café do grão Maragogype (variedade rara do ramo arábica, proveniente do México, Nicarágua, Guatemala e Colômbia, que a maioria dos produtores tinha deixado de ter por ser menos produtiva e mais exigente), no restaurante Vinum das Caves Graham’s — uma conversa informal, interrompida apenas para o sommelier falar aos convidados sobre os vinhos, o Graham’s 20 Anos Tawny que acompanhou a entrada de foie gras fumado com figos e doce de cebola, e o Chryseia 2012, para o crocante de carne de leite com cogumelos salteados. E, para, no final, falar sobre o café Special Reserve Maragogype, servido com fondant de chocolate.

“Apercebi-me que não havia muitos sommeliers que se situassem entre o mundo do vinho e o do café”, explicou. “Mas o meu palato estava focado no vinho e tive que aprender.” A apresentação do novo café da Nespresso foi acompanhada pela dos novos copos para café, uma colaboração com a Riedel, conhecido fabricante de copos especiais para vinho. Trata-se de um mild e outro intense, pensados para libertar os aromas de uma forma que não acontece numa vulgar chávena de café.

No mundo do vinho vive-se hoje muito com tendências, coisas que estão ou não estão na moda…
Concordo. Diria que infelizmente que é assim, porque um produtor de vinho [que queira acompanhar as modas] demora algum tempo a mudar. Se considerarmos que uma vinha produz uvas três anos depois de ser plantada e que temos que esperar sete anos para ter uvas de qualidade suficiente… as tendências mudam muito mais rapidamente e é difícil segui-las no mundo do vinho. Mas o nosso papel enquanto sommeliers é também educar os consumidores. Nem sempre o vinho tem que se adaptar às tendências, o consumidor também tem que se adaptar.

E quem decide essas tendências?
Podem vir de um grupo de restaurantes, de um sommelier muito prestigiado... Em Nova Iorque, há um sommelier austríaco que conseguiu lançar como tendência os vinhos austríacos. Claro que teve muito apoio do organismo que os promove. Mas muito pode depender também dos media, de pessoas que são bons comunicadores.

Quais são as principais tendências hoje?
Os consumidores gostam de vinhos mais leves, com menos álcool. Por causa do aquecimento global, hoje temos vinho com cada vez maior teor alcoólico, mas os consumidores preferem-nos mais leves. Há uma discrepância entre a tendência do produtor de fazer vinhos concentrados, ricos, com muita extracção e nível alcoólico, e a necessidade do consumidor.

Quais são as características de um vinho consensual?
É um vinho que não tem aquilo a que chamo a “parte dura” do gosto. O que é essa “parte dura”? Ácido, tanino e minerais. Os vinhos que são mais facilmente compreendidos, a que chamo intuitivos, são os que têm menor acidez, menos taninos e menos minerais. Portanto, mais redondos, e talvez mais perfumados. Fáceis de compreender e de beber. São vinhos bons para o consumidor básico. Mas claro que os grandes apreciadores de vinho precisam de algo mais.

O que aconselharia a um desses “consumidores básicos” que queira tornar o seu gosto por vinhos mais sofisticado?
Talvez o melhor fosse visitar países produtores, falar com enólogos e produtores de vinho para compreender como é difícil produzir um bom vinho. Depois de ver a quantidade de trabalho que está por detrás de um copo de vinho será capaz de apreciar melhor a complexidade dele. Mas é um longo percurso de educação.

Há uma parte que tem a ver com o palato e a capacidade de provar, mas há outra parte, que pode ser muito influente na opinião que formamos de um vinho, e que tem a ver com a história dele.
A prova tem também um lado psicológico muito forte. Calculo — e não é um cálculo científico — que a apreciação de um vinho acontece 20% no nosso nariz e palato e 80% na nossa cabeça. Por isso, quando mais se sabe sobre vinho mais se pode apreciar vinhos muito complexos. Porque a nossa cabeça faz uma avaliação muito mais elaborada. O nariz e o palato são apenas receptores de sensações, estas são transmitidas à nossa base de dados e se essa base de dados estiver carregada de informação, a nossa leitura vai ser diferente. É muito importante para o grande apreciador ter uma formação sólida para compreender cada vez melhor o vinho, que é uma bebida muito complexa e um pouco misteriosa.

O que tornou o vinho tão sofisticado? Com a comida as pessoas tendem a simplificar mais. Há sabores mais básicos, o açúcar, a gordura…
Sim, mas os tais vinhos mais fáceis de compreender são vinhos com açúcares residuais. Se tiver um vinho difícil de vender, basta aumentar em três ou quatro gramas o açúcar residual e vai vender muito bem. Infelizmente, somos uma geração um pouco dependente do açúcar.

Eu vendo vinho na Suíça e tive um vinho italiano muito bom, muito mineral, muito equilibrado, que foi difícil de vender. O produtor deixou que o vinho tivesse mais três gramas de açúcar e agora vendemos imenso. Não fico feliz, porque aprecio o vinho como ele era antes, mas o mercado assim exigiu.

Pessoas de diferentes partes do mundo têm diferentes formas de apreciar o vinho?
Eu trabalho para a Air France e temos que lidar com viajantes de diferentes países e culturas. Pessoas que vêm das Américas gostam de vinhos redondos, com aromas de cacau, baunilha, coco, e até café. As pessoas que vêm do Oriente, de países que comem comidas com muitas especiarias, gostam de vinhos mais perfumados. Temos que escolher vinhos de acordo com estes gostos diferentes.

É também especialista em vinhos raros.
Talvez eu seja um bom provador porque quando era jovem comprei muitos vinhos que tinham boa pontuação nos guias e como percebi que não tinha ainda a capacidade para os apreciar deixei-os na adega. Ao fim de alguns anos, fui buscar esses vinhos e percebi que metade estavam mortos. Perdi muito dinheiro, mas tornei-me um bom provador porque aprendi a perceber como é que um vinho jovem pode evoluir.

A certa altura voltou-se para o café, fez uma formação com a Nespresso e o que aprendeu?
O café prova-se da mesma maneira que o vinho. Há três fases: primeiro é preciso ver a cor, depois cheiramos e por fim bebemos. Com estes copos [transparentes, da Riedel] podemos ver a crema, a cor e a intensidade. Graças à forma do copo, recebemos o café na boca de uma maneira diferente. Aqui [no Maragogype] temos uma acidez média, corpo médio, mas um final longo. E, claro, é melhor bebê-lo sem açúcar. É bom combiná-lo com a sobremesa ou com um vinho fortificado. 

--%>