Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Luís Pato: A grande marcha em dois andamentos

Por Luís Pato

Todas as edições especiais da Fugas dedicadas ao vinho contam com uma reflexão na primeira pessoa de um “senador” do sector. Desta vez o convite foi lançado a Luís Pato, que nos fala dos seus primeiros anos, da aposta na Baga como forma de preservar a cultura da Bairrada e das boas expectativas que lhe suscita o futuro do vinho português.

Parte 1
O começo

Quando iniciei a minha vida no mundo do vinho, na década de 80 do século passado, as uvas eram pagas ao quilo e de acordo com o álcool provável. A qualidade definida pelo local, pelo solo ou pelo trabalho na vinha era pouco importante.

Estávamos no ciclo do final do Império, tínhamos saído de Africa, que, ao invés do Brasil, era menos exigente na qualidade intrínseca do vinho. Era por isso uma época em que produzir quilos era mais importante para a sobrevivência do pequeno e grande produtor do que a qualidade efetiva dos cachos. Um bom exemplo desta afirmação são os vinhos que hoje começam a ser reverenciados, e bem, na minha opinião, das Caves São João, onde o enólogo da época “libertou” ao caminho do granel para Africa (que era embarcado em barricas de madeira de eucalipto – porque mais barato que o castanho e o carvalho) os vinhos que hoje os lideres de opinião reverenciam das safras de 1958, 1963, 1970, 1980 e 1983. Sim esses vinhos eram pagos para granel, não para engarrafar com vista a envelhecer, que isso era um luxo á época.

Este foi o cenário que encontrei quando em 1980 fiz como hobby o primeiro vinho de vinhas da minha sogra sitas em solos argilo-calcários, de vinhas muito velhas (bem mais de 70 anos à época) que só foi vindimado na primeira semana de Outubro porque ela não tinha pessoal para as vindimar antes. Felizmente, o ano correu de feição na região e em geral em todo o país (ainda hoje é uma colheita de referência) porque não choveu no Equinócio de Setembro (o que iria causar podridão nas uvas sensíveis da casta Baga) e a produção nessas vinhas era baixa devido à idade das parreiras. Lembro-me que os cachos de Baga chegaram à adega com 17% de álcool provável, porque o Outono tinha sido seco e quente. Um desafio porque, nessa época, vinhos com mais de 12% de álcool eram considerados alcoólicos.

Nessa época usei o sofisma daquele tempo de juntar água-pé ao mosto em fermentação, porque era proibido juntar agua diretamente, mesmo quando, como era o caso, os cachos tinham desidratado por efeito do calor, daí o grau enorme (na casta Baga) das uvas que recebi.

Parte 2

O estudo da casta Baga

Quando iniciei o meu percurso no entendimento do vinho não tinha formação especifica, pelo que o meu caminho foi o de tentar aprender com o passado. O facto de ter nascido numa região vinhateira ajudou. Aí, fui envolvido no que se fazia de forma empírica, do passa-palavra, na preocupação em fazer como faziam os nossos antepassados. A minha irreverência, porém, obrigava-me a acompanhar a modernidade se deixar de me preocupar em conservar a tradição. E encontrei a forma de preservar a tradição o domínio de uma casta na região, a Baga.

Embora a Baga fosse criticada por muitos bairradinos por só criar grandes vinhos duas vezes por década, enquanto nos outros anos dava vinhos muito acídulos, com taninos fortes e com um caracter algo herbáceo, pensei que se a casta estava na região talvez há mais de 800 anos era porque tinha resistido às alterações climáticas, ao aparecimento de doenças e de outros factores que fizeram desaparecer as outras e a tornaram dominante. No meu entendimento não podíamos por isso desprezar uma casta que, na minha tese, veio para a região e certamente para o Dão com os monges de Cister, quando eles vieram ensinar agricultura aos portugueses a pedido do Rei Afonso I, quando a capital era em Coimbra. Como a Bairrada tem solos argilo-calcários, ela apresenta aqui uma aparência mais borgonhesa que nos solos arenosos do Dão.

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