E isso é um incentivo à qualidade do vinho ou pode antes ajudar a que se façam vinhos para ir de encontro a determinados gostos ou nichos de mercado?
Enquanto enólogo, a satisfação de todo o tipo de consumidores, sejam eles os novos, os velhos ou os chamados fashion que procuram coisas exóticas ou sensações diferentes quando provam vinho, é para mim uma preocupação. Se isso contribui para o melhoramento dos vinhos? Contribui para o consumo e os mais exigentes continuam a ser os velhos consumidores. Mas há também bebidas à base de vinho para satisfazer um alargado número de novos consumidores e o que importa é que contribuem para alargar o consumo. E o que se quer é que venham a consumir cada vez melhor.
Mas esses vários tipos de consumidores levam a que os enólogos procurem criar também vários tipos de vinhos?
Isso é verdade. Vinhos mais leves, mais ligeiros, bebidas para diferentes momentos que muitas vezes não são vinho mas apenas produtos à base de vinho.
E isso faz com que os vinhos acabem por ter características cada vez mais ligadas à tecnologia?
Na verdade, eu acho que a linguagem tecnológica já teve mais cabimento que neste momento. Sinceramente, não sou um fã do termo tecnológico aplicado ao vinho. E com as exigências do mercado, os custos da tecnologia e os grandes excedentes de produção isso hoje não faz sentido. Termos é que produzir vinhos que dêem satisfação ao consumidor e ao menor custo possível. Independentemente do método de produção, o vinho é um produto natural para ser consumido com cada vez maior prazer e exigência.
Com o alargamento do consumo praticamente à escala planetária e também um número cada vez maior de países produtores, como vê a evolução do sector nos próximos tempos?
Essa é uma realidade para a qual devemos estar muito atentos. Veja-se o caso do Brasil onde o vinho deixou de ser um produto de elites e hoje mesmo não sendo ainda uma bebida popular já é consumido por praticamente por toda a classe média.
E como é que os produtores portugueses devem olhar para este potencial do mercado brasileiro?
É claro que é um dos mercados que Portugal deve privilegiar. Ou melhor, tem privilegiado. Apesar da proximidade à Argentina e Chile, dois colossos que integram o Mercosul e beneficiam por isso de impostos muito mais baixos, sente-se mesmo assim que a população brasileira tem especial carinho pelo vinho português.
Com quase três décadas de profissão e um vasto e diversificado currículo que se alarga a praticamente todas as regiões, que lhe resta ainda em termos de ambição?
Nem sempre por opção, mas o meu percurso tem sido uma sucessão de desafios e chegado aqui não escondo que gostaria de fazer uma experiência com vinhos da Madeira. São os vinhos que neste momento me deixam algum frenesim, um certo arrepio. Dos vinhos de Portugal, são mesmo poucos os que não produzi, das regiões maiores às mais pequenas, dos Porto às aguardentes e espumantes. Na verdade falta-me produzir um vinho Madeira e acredito que ainda possa fazer uma incursão nesse território.