Fugas - Vinhos

  • Enric Vives-Rubio
  • Renato Cruz Santos

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As relações suspeitas entre a comida e o vinho

Se algum mérito teve a onda da harmonização foi, por isso, o de acabar de vez com ideias feitas, do tipo carne é para o vinho tinto e o peixe para o vinho branco. “Os meus clientes seguem cada vez mais aquilo que gostam, procuram as suas próprias harmonizações”, afirma Pedro Nunes. Embora aí haja fronteiras que nem todos gostam de ultrapassar. Se há uns anos os queijos eram para vinhos tintos, hoje há muita gente a bebê-los com brancos. José Silva, por exemplo, aprecia a relação mas... “Se dissesse isso ao meu avô, ele matava-me.” Dirk Niepoort, inconformista e avesso a padronizações por hábito, torna-se aqui mais conservador. “São modas e contra-modas”, admite, argumentando que queijo é para vinhos tintos. E, em concreto, um queijo Serra? Se há dez, 20 anos era impossível não o experimentar com Porto Vintage, hoje há quem ponha defeitos nessa relação. Dirk contesta. “É uma combinação fantástica”, diz.

Não há, portanto, convenções seguras pela tradição, não é líquido que brancos encorpados não façam melhor figura com alguns pratos de carne do que tintos menos concentrados. O bacalhau é para tintos ou para brancos dependendo da forma como é cozinhado. Até porque as possibilidades de combinação multiplicaram-se com a profusão de estilos de vinhos e a explosão de restaurantes e chefs que se esforçam por fazer comida com assinatura. A ligação de empresas produtoras a grandes cozinheiros — casos da Malhadinha Nova ou da Quinta dos Grous — acelerou. E há alguns que fazem até questão de partilhar com os produtores de vinho gamas especiais e exclusivas, como Vítor Claro, Rui Paula ou Miguel Castro Silva.

Depois, bem, há criações de chefs praticamente impossíveis de se combinarem com vinhos, há pratos que se dão bem com quase todos os estilos e regiões e há vinhos que dificilmente não produzem grande satisfação com qualquer tipo de comida. Dirk Niepoort aponta para o primeiro exemplo as experiências que teve no el Bulli, onde o menu com 26 pratos inferniza qualquer boa intenção sobre a escolha de vinhos. Pedro Nunes considera que um capão assado fica bem com um amplo leque de vinhos — a parte do peito “delicada”, a perna mais “agressiva” e o recheio intenso que recomenda um tinto mais forte ajusta-se a muitas escolhas. Depois, um bairradino clássico e transversal para desmistificar a ideia de que a combinação entre comida e vinho é um bicho-de-sete-cabeças: Pedro Nunes escolheria para essa função um Quinta das Bágeiras de 2001. “Fica bem com muitas coisas”, explica. Quando o vinho é bom e a comida é boa, torna-se tudo mais fácil. Sem ser necessário produzir uma teoria especial para o efeito.

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