Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
  • António Rocha, o actual
“senhor Bussaco”, tem a
responsabilidade de gerir
uma garrafeira com mais
de 200 mil exemplares
e de manter o perfil de
uma casa emblemática
do vinho português
    António Rocha, o actual “senhor Bussaco”, tem a responsabilidade de gerir uma garrafeira com mais de 200 mil exemplares e de manter o perfil de uma casa emblemática do vinho português Nelson Garrido
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Bussaco: Viagem pela história dos mais lendários vinhos secos portugueses

As excepções abertas pelos guardiães do Bussaco para venderem algumas garrafas ou servir os vinhos fora do palácio tinham sempre grande peso institucional. Por exemplo, jantares com chefes de estados ou monarcas, como aquele que o governo português ofereceu, em 20 de Novembro de 1957, à rainha Isabel II de Inglaterra, no Mosteiro da Batalha. Os vinhos servidos foram o Bussaco Branco 1944 e o Bussaco Tinto 1945. O primeiro para acompanhar “lagosta de Peniche suada à portuguesa” e o segundo para maridar com “vitela de Sintra Dourada “ e “ervilhas do Algarve estufadas com endívias”. Nesse jantar, só por curiosidade, também foram servidos um Porto Tawny António J. da Silva 1890 e um Madeira Sercial 1808. Houve várias sobremesas e licores e bebeu-se café do “Ultramar português”.

Nessa altura, José Santos já era o responsável pelos vinhos do Bussaco. O seu criador tinha sido Alexandre Almeida, o avô do actual líder da cadeia de hotéis Alexandre Almeida, na qual se inclui o Hotel Palace do Bussaco, em regime de exploração. (O edifício, um palácio neo-manuelino com elementos arquitectónicos inspirados no Mosteiro dos Jerónimos, na Torre de Belém e no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, é propriedade pública. Foi mandado construir em 1881 pelo então ministro das Obras Públicas de D. Luís, Emídio Navarro, a partir do antigo convento dos Carmelitas Descalços. Concluído em 1902, funciona desde 1907 como hotel de luxo). Inspirado nos hotéis de charme da Riviera francesa e italiana, que produziam os seus próprios vinhos, Alexandre Almeida resolveu replicar o exemplo e, a partir de vinhos comprados no Dão e na Bairrada, começou a fazer os seus próprios lotes. Os primeiros ensaios remontam à década de 20 e ainda existem algumas garrafas dessas experiências, mas os vinhos mais antigos que ainda estão bebíveis são precisamente o branco de 1944 e o tinto de 1945.

É desse tempo inicial e, sobretudo, do período de José Santos que ainda hoje se alimenta a lenda dos vinhos do Bussaco. Na época, a entrada no mercado de trabalho coincidia com a adolescência e os melhores faziam a progressão clássica, desde a base até ao topo. Santos tinha 12 anos quando começou a trabalhar no hotel do Bussaco. Foi depois recepcionista noutros hotéis da mesma família em Lisboa e Coimbra e em 1952, então com 30 anos, assumiu a direcção do Hotel Palace do Bussaco, a jóia do grupo Alexandre Almeida.

Foi a partir daí que se começou a interessar pelos vinhos do hotel. José Santos coincidiu com “Alexandrão”, o primeiro grande adegueiro do Bussaco. Os vinhos dos finais da década de 30 e das décadas de 40 e 50 ainda têm a marca deste. A era do “Sr. Santos” só começa com a saída de “Alexandrão”, no final dos anos 50. Apesar de não ser enólogo, era José Santos quem escolhia os vinhos para o lote e quem dirigia todo o processo de engarrafamento e envelhecimento. O controlo técnico era feito por enólogos renomados da Bairrada, como Martins da Costa, das Caves São João, ou Rui Moura Alves (enólogo da Quinta das Bágeiras), este já nos últimos anos da sua vida. Durante muitos anos, Santos comprou vinhos em Mortágua, Silgueiros e Tonda, no Dão. Na Bairrada, um dos seus fornecedores foi a Quinta de Baixo, da família Póvoa e hoje na posse da Nieepoort. Depois de comprados, os vinhos estagiavam em tonéis de diferentes madeiras na adega/garrafeira do Hotel Palace do Bussaco e só eram engarrafados ao fim de alguns anos. A sua personalidade e a forma quase eremítica como se dedicou aos vinhos tornaram-no também num mito. “O Senhor Santos foi o guardião nº 1 dos vinhos do Bussaco. Foi ele que divulgou os vinhos junto dos grandes jornalistas estrangeiros ”, reconhece António Rocha.

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