Fugas - Vinhos

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  • António Rocha, o actual
“senhor Bussaco”, tem a
responsabilidade de gerir
uma garrafeira com mais
de 200 mil exemplares
e de manter o perfil de
uma casa emblemática
do vinho português
    António Rocha, o actual “senhor Bussaco”, tem a responsabilidade de gerir uma garrafeira com mais de 200 mil exemplares e de manter o perfil de uma casa emblemática do vinho português Nelson Garrido
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Bussaco: Viagem pela história dos mais lendários vinhos secos portugueses

Por Pedro Garcias

Os lendários vinhos do Bussaco estão quase a completar um século de história. Brancos e tintos, são vinhos que duram e que se distinguem por serem feitos com uvas do Dão e da Bairrada. Os melhores batem-se com os grandes do mundo.

“Começamos por onde?”, perguntava António Rocha, logo pela manhã, à porta do renovado e romântico Hotel Palace da Curia, uma relíquia dos “Dourados anos 20”. Na verdade, já tínhamos começado de véspera, com um jantar no restaurante Magnum & C.ia, na Mealhada: cricos (berbigões) e amêijoas da Ria de Aveiro e um robalo do mar ao sal em vez de leitão. Rocha, o actual guardião dos vinhos do Bussaco, levou um branco da colheita de 2013, também salino. Uma garrafa apenas para irmos mergulhando no admirável mundo dos mais lendários vinhos secos portugueses.

No átrio do Palace há imagens das faustosas festas de vindimas que se faziam na Curia nos tempos áureos. Num edifício ao lado ainda dentro do parque do hotel funciona a adega do Bussaco, um espaço acanhado e sem qualquer tipo de glamour ou patine. Vê-se tudo num minuto. O único vinhedo próprio, de apenas um hectare, situado no lugar da Mata, nos arredores da Curia, também. Não há muito mais a ver: a geografia sentimental dos vinhos do Bussaco está confinada ao ambiente religioso da mata que em 1626, em troca de 180 mil réis, o bispo de Coimbra, D. João Manoel, cedeu aos Carmelitas Descalços e onde estes ergueram uma réplica da Via Sacra existente em Jerusalém, com os seis Passos da Prisão e os 14 da Paixão de Cristo. São cerca de 3,5 quilómetros sempre a subir, por entre a fresquidão de cedros, adernos, carvalhos e outras árvores da floresta primitiva. A caminhada termina a 547 metros de altitude na Cruz Alta, o ponto mais alto do Buçaco. Se for cumprida com fé, demora cerca de quatro horas. Chegar ao topo, com a sua panorâmica de 360 graus, é o prémio que se ganha hoje.

Antes, era a esperança do reencontro com o divino através da penitência.
Durante muitos anos, também foi necessário ser penitente para poder chegar aos famosos vinhos do Bussaco (a grafia é mesmo assim). Guardados na reclusão fresca da garrafeira situada no piso inferior do Palace Bussaco e em dois edifícios próximos, os vinhos só estavam disponíveis para os hóspedes do hotel. E só eram servidos às refeições, não se vendiam.

Em Novembro de 1988, o brasileiro Carlos Cabral, um dos maiores embaixadores do vinho português no Brasil, foi ao Buçaco para ser entronizado confrade dos vinhos da Bairrada. Conhecedor da lenda dos vinhos do Bussaco, tentou convencer o então director do hotel, o também lendário “Sr. Santos”, português de trato simples mas com ar de “lorde inglês”, como o retratou, a vender-lhes duas garrafas. “Insisti duas vezes. Pedido negado. Na manhã seguinte, ao pé da monumental escadaria revestida de azulejos do Atrium do Palácio, eu e o presidente da República de Portugal, o confrade Mário Soares, conversávamos ao lado de nossas esposas, quando o Sr. Santos se aproximou. Aproveitei e confessei ao presidente que desejava levar as duas garrafas para o Brasil, mas que o Sr. Santos não as queria vender”. Diplomaticamente, o presidente intercedeu: “Santos, não faça essa desfeita ao nosso amigo do Brasil”. A resposta veio com um leve movimento de cabeça. Recebi duas garrafas no meu quarto do hotel, meia hora depois. Ao encerrar a minha conta, lá estavam as duas beldades cobradas a um preço equivalente a US$ 300,00”, recordou mais tarde Carlos Cabral.

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