Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
  • António Rocha, o actual
“senhor Bussaco”, tem a
responsabilidade de gerir
uma garrafeira com mais
de 200 mil exemplares
e de manter o perfil de
uma casa emblemática
do vinho português
    António Rocha, o actual “senhor Bussaco”, tem a responsabilidade de gerir uma garrafeira com mais de 200 mil exemplares e de manter o perfil de uma casa emblemática do vinho português Nelson Garrido
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Bussaco: Viagem pela história dos mais lendários vinhos secos portugueses

Com a morte de José Santos, em 1994, os vinhos do Bussaco perderam a sua bússola. O director que lhe sucedeu, Castro Ribeiro, não tinha a mesma paixão e limitou-se a engarrafar vinhos já feitos e a viver do extraordinário espólio de cerca de 200 mil garrafas que José Santos lhe deixou. Em 1999, perante a degradação da garrafeira do Bussaco, a alemã Martina Almeida, então esposa do líder actual do grupo Alexandre Almeida, assumiu a gestão dos vinhos.
Martina tinha estudado gestão hoteleira em Lausanne, na Suíça. Sabia pouco de vinhos. Para o ajudar, convidou António Rocha, recém-licenciado em Economia que começara um ano antes a trabalhar no Hotel do Bussaco na montagem de um projecto de compras para o grupo. Rocha conhecia bem a casa. O pai foi director do Hotel Palace da Curia durante 40 anos, onde começou ainda adolescente como arrumador de malas. A mesma história de José Santos. Martina Almeida levou tão a sério a função que foi tirar um curso de enologia de seis meses a Bordéus.

No início deste século, o Bussaco mudou de estratégia e começou a comprar uvas e a vinificar os vinhos na Curia, em vez de comprar vinhos feitos para lotar depois no Bussaco. Não era a primeira vez, na verdade. Nos anos 50 e 60 também foram feitas vinificações na quinta que a família Alexandre Almeida possuía no centro do Luso. Mas a tradição foi sempre comprar vinhos no Dão e na Bairrada e juntá-los depois em tonéis próprios.

Em 2003, Martina e Alexandre Almeida separaram-se e a alemã abandonou o Bussaco. António Rocha ficou sozinho com os vinhos. Apoiado enologicamente por Simão Póvoa, técnico na estação Vitivinícola da Bairrada, Rocha é, desde então, o “senhor Bussaco”. Faz o mesmo papel de José Santos, controlando todo o processo, desde a compra das uvas até ao engarrafamento. Os métodos de vinificação e envelhecimento é que já não são bem iguais. Antigamente corriam-se mais riscos; os vinhos eram sujeitos a limpezas sucessivas, para não serem colados, nem filtrados. Hoje, por regra, só os tintos é que não são filtrados. Os vinhos também já não estagiam nos velhos tonéis. Agora envelhecem em barricas de carvalho francês de 300 litros. “Deixou de haver tanoeiros na região e começou a ser difícil tratar dos tonéis”, lamenta António Rocha.

Os fornecedores de uvas também foram mudando, embora a origem difira pouca. Para os brancos, António Rocha vai buscar Encruzado à zona de Silgueiros (Dão) e Bical e Maria Gomes a Ourentã, perto de Cantanhede (Bairrada). Os tintos são feitos com Touriga Nacional também de Silgueiros e com Baga de solos argilo-calcários das zonas de Cantanhede e de Anadia. As diferentes uvas são fermentadas em separado e só ao fim de alguns meses é que os melhores vinhos são lotados. Como sempre, continua a haver algum predomínio da Bairrada no lote final.

Os grandes vinhos são aqueles que duram décadas. Na garrafeira do Bussaco, há milhares de garrafas que sobreviveram intactas aos seus criadores. Estão todas identificadas pelo ano mas sem rótulo- este só é posto à medida que vão saindo. Cada prateleira guarda exemplares de uma colheita. Basta olhar o número da estante e consultar o seu livro de adega para António Rocha saber o que lá está. “Prateleira 2. São vinhos tintos de 1960. Tem 280 garrafas”.
O grosso do espólio, perto de 200 mil garrafas, está guardado em dois edifícios que a família Alexandre Almeida possui à entrada do Buçaco. A cada nova colheita, entram para a garrafeira cerca de duas mil garrafas de branco e outras tantas de tinto. Ao todo, são produzidas cerca de dez mil garrafas de cada por ano.

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