Fugas - Vinhos

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Whisky e música: uma experiência vintage

Por Mário Lopes

Para um whisky vintage, música vintage. A ideia é da Glenrothes e a primeira sessão das “Vintage Vinyl Tasting Sessions” teve lugar em território sagrado, o estúdio 2 de Abbey Road, o estúdio dos Beatles. Mola no nariz, pipeta na mão, a Fugas esteve lá. A provar enquanto ouvia.

Lá fora estarão mais algumas das centenas de pessoas que, todos os dias, atravessam aquela passadeira em Abbey Road. Lá fora, em St. John’s Wood, City of Westminster, Londres, canetas e marcadores estarão a ser aplicados nas paredes do número 3 para deixar inscrita uma mensagem que certamente incluirá as palavras Beatles, John, George, Paul, Ringo ou os títulos de uma qualquer canção dos Fab Four. Lá fora, o cenário repete-se, dia após dia. Por isso, de três em três meses, as paredes têm que ser pintadas de fresco para que novas mãos escrevam novas mensagens. Por isso, os habitantes do pacato bairro burguês já não prestam grande atenção àqueles que atravancam o trânsito enquanto tentam reproduzir na passadeira a capa do último álbum gravado pelos Beatles — Abbey Road, precisamente. Mas isto é lá fora.

Lá dentro, na mansão erigida na terceira década do século XIX, estão os estúdios inaugurados em 1931 como centro de operações da editora EMI, então Gramophone Company. Estamos em território sagrado. Cliff Richard e os Shadows. Pink Floyd e Kate Bush. Os Oasis e os Radiohead. Glenn Miller e Maria Callas. Bandas-sonoras de A Guerra das Estrelas ou de Harry Potter. Todos esses sons foram registados aqui, num dos cinco estúdios que o edifício alberga. E nós estamos lá dentro. No mais sagrado dos espaços deste verdadeiro ícone da música do século XXI.

Já olhámos a passadeira, já vimos os muros pintados, já passámos os portões. Já vimos as fotos penduradas nas paredes, nome histórico atrás de nome histórico, e já observámos com curiosidade de geek as velhas mesas de mistura e demais parafernália vintage dispostas nos corredores. Descemos os dois lanços de escadas, viramos à esquerda no corredor. Abrimos as portas, construídas maciças para que o som do exterior não contaminasse o que se faz ouvir lá dentro. Estamos no Estúdio 2 de Abbey Road. Já falámos dos Beatles?

Ouvimos um clássico dos Hollies, He ain’t heavy is my brother, single editado em 1969. A agulha corre sobre o vinil, as harmonias de voz da banda inglesa soam incrivelmente límpidas saídas da aparelhagem que faria as delícias de qualquer audiófilo, e nós, sentados a uma mesa de pé baixo, uma das muitas que acolhem dezenas de convidados, estamos como toda a gente. Com uma mola no nariz e uma pipeta na mão. Enquanto os Hollies continuam a ouvir-se (“and the load / doesn’t weigh me down at all / he ain’t heavy, he’s my brother”), provam-se os mililitros que a pipeta contém.

Estúdio 2 de Abbey Road. Foi aqui que os Beatles registaram 90% do seu catálogo discográfico, foi aqui que os Pink Floyd gravaram, por exemplo, o clássico Dark Side of the Moon. Foi precisamente ali, sensivelmente a meio da parede da esquerda, cantando a três, quatro metros dela, que John Lennon, enrouquecido por várias horas de gravações e por uma garganta inflamada, registou a versão definitiva de Twist and shout — e gostou tanto do resultado que passou a gravar a sua voz exactamente na mesma posição sempre que possível. Foi naquele piano a um canto, um Stenway Vertegrand de 1905, que ecoou a última nota da épica A day in the life, a última canção de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Foi naquele outro, noutro canto, que McCartney deu balanço a Lady Madonna. É aqui que provamos o líquido da pipeta com uma mola presa no nariz, enquanto os Hollies continuam a cantar a canção onde se ouve o piano tocado por um rapaz então desconhecido, Reginnald Kenneth Dwight — dois anos depois, todos passaram a conhecê-lo, não como Reginald, mas enquanto John, Elton John.

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