Fugas - Vinhos

  • Ne Oublie
    Ne Oublie
  • Graham's 1952
    Graham's 1952

Cinco colheitas de Porto Graham’s para não esquecer

Por Manuel Carvalho

O copo chega à mesa e o ar fica subitamente impregnado de aromas doces. Pega-se nele, aproxima-se do nariz e esse mistério de aromas adensa-se com revelações de nozes e amêndoas secas, com o vinagrinho dos velhos Porto a compor o quadro com um tempero acídulo.

É difícil descrever vinhos assim, ainda mais quando nos chegam à boca. Começa-se por se notar o volume, vem depois o impacte dos aromas que conservam as nozes mas lhe acrescentam chá preto, tabaco e uma vaga sensação resinosa. No final, sobra uma imponente sensação de frescura cítrica, que conserva a emoções e as prolonga nos sentidos. Uma prova do Ne Oublie, o Porto da Graham’s de 1882, não é um teste normal ao paladar e ao cheiro; é uma experiência estética radical. 

No sábado passado, no decorrer da Essência do Vinho, a Graham’s fez do Ne Oublie a inspiração da prova dedicada aos novos entes queridos da empresa, os Colheita – os Single Harvest, no mercado internacional. Se os Colheita partilham com os Vintage a particularidade de serem vinhos de um ano determinado, a forma como superam a prova do tempo separa-os radicalmente. O envelhecimento em casco torna os vinhos mais intensos (pelo menos após 30 ou 40 anos de vida), menos ligados à herança da fruta original, mais resinosos e mais ajustados à tradição dos Porto clássicos dos portugueses — o estilo Tawny. O Ne Oublie é a prova dessa relação frutuosa entre um vinho e o tempo. Em 1920, Andrew James Symington, o fundador da empresa familiar que possui a Graham’s, comprou três cascos deste vinho de 1882 (o ano em que chegou ao Porto), engarrafou um e deixou dois para a posteridade. Cada garrafa desta jóia custa pelo menos 6500 euros.

A extraordinária qualidade deste vinho e o reconhecimento que obteve não surpreendeu a Graham’s. Porque já em 2012 a empresa tinha lançado um Colheita de 1952 para celebrar o Jubileu de Diamante (60 anos de reinado) da rainha Isabel II e a experiência foi bem recebida pela crítica (custa 300 euros). “Não era costume na nossa família oferecer estes vinhos”, mas, entretanto, “decidimos mudar esta política”, diz Dominic Symington, que fez a apresentação da prova com o enólogo João Pedro Ramalho. Os Colheita, outrora domínio quase exclusivo de companhias portuguesas como a Barros, a Andresen, a Poças ou a Wiese & Krohn, entraram no portefólio das casas de raiz britânica. Algumas, como a Taylor’s, adquiriram outras companhias (no caso a Wiese & Krohn) para garantirem vinhos com estes atributos; no caso dos Symington, entre os seus 14.500 cascos em envelhecimento (3500 com a marca Graham’s), não faltam colheitas de qualidade.

O 1952 é sem dúvida um vinho que se enquadra nesse padrão. O seu aroma de casca de laranja, caramelo e fruta seca, a sua elegância e persistência, a sua frescura e o rasto de aromas que deixa na boca tornam-no irresistível. Mas se este vinho é de alguma forma a síntese perfeita do colheita quintessencial, a Graham’s tem vinhos desta categoria com identidades particulares e com feições distintas. A ideia de engarrafar casco a casco, em vez de fazer um lote único para engarrafamento, procura valorizar essa identidade particular de cada vinho. Talvez por isso, o 1961 (290 euros) impressiona pela potência aromática, onde se destacam notas florais, algum vinagrinho e especiaria, que se impõe pela sua garra na boca e se destaca pela frescura final. O 1969 (250 euros) merece ser encarado pela sua fineza e balanço, exibindo uma austeridade que o torna muito singelo e especial. O 1972 (250 euros), muito mais ríspido na acidez cítrica com que se mostra no final, é testemunho do ano seco e da vindima tardia desse ano. E o outro vinho em prova, o 1982, está já numa fase de maturação capaz de mostrar a enorme complexidade dos Porto Colheita.

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