Charles Symington, o responsável pela enologia da casa, pôde então deitar mãos à obra. Entre a interminável chave de combinações (cascos de diferentes vindimas) à sua disposição, Charles escolheu três vinhos. O mais antigo remonta a 1912, um ano histórico do sector, que integrava o património da Warre e da Dow’s, duas das marcas do universo Symington. O segundo vinho mais velho é de 1924 e fazia parte de um lote produzido na Quinta do Bom Retiro Pequeno, localizada no vale do rio Torto, que só foi transportado para as caves de Gaia nos anos de 1960. Finalmente, Charles Symington elegeu para o lote final um vinho de 1935, que fazia parte dos stocks da Warre.
Este ano, está igualmente registado na memória do vinho do Porto como um “ano vintage”, mas a Warre tinha apostado antes na declaração do ano anterior. No intrincado modelo de classificação do vinho do Porto, o 1935 é o único vinho a poder ser considerado um Colheita, notava Johnny Symington que, com o seu primo Rupert, esteve ao lado de Paul na apresentação. É que essa categoria carece de reconhecimento por parte do IVDP, que foi criado apenas em 1933 — o 1912 e o 1926 são considerados “reservas”.
Na prova londrina, os jornalistas presentes puderam experimentar cada um destes vinhos individualmente antes de conhecerem o lote final. Charles Symington decidiu que 40% do vinho a ser engarrafado com a categoria de 90 anos seria de 1935, outro tanto da vindima de 1912 e os restantes 20% de 1926. O desafio, bem à imagem da arte do vinho do Porto, era conseguir que o todo fosse maior do que a soma das partes. Charles conseguiu, embora a possibilidade de se conhecer cada um dos vinhos originais seja uma experiência memorável. Porque cada um tem uma identidade vincada, embora seja incapaz de apresentar o balanço e a harmonia que o 90 anos acabaria por revelar.
Por exemplo, o 1912 destaca-se pela sua complexidade e por um extraordinário volume de boca. Os seus aromas são os que mais se aproximam de um Colheita clássico — fruta seca, casca de laranja cristalizada. O vinho de 1924 é o mais exuberante no nariz, com notas de alperce a dominar o conjunto. Mas, na boca, é entre todos o mais subtil e elegante. Finalmente, o 1935 destaca-se por uma acidez pungente e por um impacte no palato intenso e longo. É o vinho com mais garra e vigor, embora termine deixando um rasto de sensações de fruta seca delicadas e deliciosas.
O 90 anos dedicado à rainha é um belo exemplo do que é a arte do blend no vinho do Porto. Os principais atributos dos três vinhos originais estão lá reflectidos em proporções ponderadas para que o produto final esteja mais próximo do que é a essência de um grande tawny. Está lá a exuberância dos aromas de frutos secos do 1912, mas conservou-se um pouco da expressão cítrica ou do alperce; está lá o volume de boca do 1912, mas pressente-se a delicadeza do 1924; e, principalmente, está lá de forma nítida a impetuosidade da acidez e da frescura do 1935. O Graham’s 90 anos é, por isso, um vinho do Porto de altíssimo nível. Cheio de energia, de graça e de subtilezas, é um daqueles vinhos cujos aromas enchem uma sala e provocam sensações desconcertantes e longas nos sentidos.